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Foto do escritorMichele Costa

Literatura: A Glória alcançada de Victor Heringer

Atualizado: 12 de jul. de 2021

Segundo o dicionário, a palavra glória significa: fama que uma pessoa obtém por efeitos heroicos, grandes obras ou por suas extraordinárias qualidades. De acordo com os familiares do romance de Victor Heringer, “Glória”, os Alencar Costa e Oliveira não tem nada para se vangloriar, ou talvez tenha, já que a família sofre de melancolia.


Lançado em 2012 pela editora 7Letras (e relançado em 2018 pela Companhia das Letras), a ironia dá ritmo ao livro. O enredo gira em torno de Benjamim, Daniel e Abel, três irmãos que perdem o pai muito cedo e são criados pela mãe, Noemi. Medos, inseguranças, desgosto e zombaria assombram a família carioca.

“Alguns morriam de amores, outros de bilhetes de loteria não premiados, outros ainda de uma substância misteriosa que as tias mais velhas chamavam de bile preta e que magoava as pessoas. O marido tinha morrido de Maiakóvski, segundo a maioria das velhas, apesar de o atestado de óbito rezar infarto agudo do miocárdio.”

Benjamin, o último a sair de casa, é um artista plástico frustrado que passa os dias no seu trabalho no Departamento de Museologia, Restauração e Reparo. O morador do bairro Glória (ah, a ironia…) passa por uma transformação quando se apaixona por Paula, sua vizinha. Sem coragem para declarar-se, o artista cria um perfil no Café Aleph, uma sala de bate papo online que discute arte.


Abel é um pastor de igreja evangélica que está retornando ao Brasil após passar um tempo, em missão, na África. Ele e sua esposa estrangeira desejam criar uma igreja em Santa Maria Madalena, interior do Rio. Dona Letícia, escritora que já escreveu diversos cadernos sobre a família Alencar Costa e Oliveira - inclusive, ela é a última das tias dos irmãos que mora na cidade. Após a morte da tia, Abel herda sua fortuna com a condição de publicar o livro “Breve e Muito Concisa História da Família Costa e Oliveira”. Ao decorrer da história, o pastor desenvolve uma teoria: a epidemia do século XXI é o desgosto, a depressão e a tristeza.

“Ao fim e ao cabo, o irmão e a tia-avó louca podiam ter razão: uma epidemia de desgosto era, de fato, o destino mais provável da humanidade. Discordava, porém, da panaceia. Nenhum messias surgiria para nos salvar. Zombar de tudo de nada adiantaria. Não existe piada engraçada o suficiente para superar o absurdo anedótico do cosmo. O universo - os automóveis, o amor, as colocações de emprego, a invenção da pasta de dente etc. e etcétera - não passa de uma muito elaborada pegadinha, da qual todos, sem exceção, somos vítimas. O próprio e todo-poderoso Deus, se tal coisa existisse, já não seria capaz de escapar da armadilha que Ele mesmo construíra com tanto esmero: a Criação tinha ficado tão boa que superara todas as expectativas. Era a piada perfeita. Deus tinha dado a volta em Deus e agora ria d’Ele pelas costas. Deprimido pelo constante assédio (piadinhas de mau gosto, agressões verbais, apelidos cruéis), não seria surpresa para ninguém se Deus de repente morresse de desgosto.”

Daniel, aparentemente, foi o único que se deu bem: é pai de família e sucedido. No entanto, assim como seus irmãos e pai, seu DNA corre mortes fulminantes devido à crises de desgosto.


Ao avançar na leitura, o leitor sente diversos sentimentos. Desgosto e saudade são alguns. Pode ser saudade da família ou do patriarca que faleceu sem aviso prévio ou de Heringer que foi embora cedo demais, aos 29 anos de idade. O desgosto vai além da família fictícia: lembramos das nossas vidas, o impacto da internet em nossos relacionamentos e as religiões que estão sendo invadidas no Brasil, tomando rumos extremos (insira os casos do fanatismo religioso na política aqui). Realidade e literatura se misturam, relembrando a fragilidade humana. O autor alcança a glória, aquela do dicionário, mencionada no início deste texto, já nas primeiras páginas.


No epílogo, Victor escreve: “Desde que publiquei Glória, em 2012, passaram-se quinze anos, e o mundo, embora decididamente mais triste, não morreu de desgosto. Pode ser que esteja caminhando para isso, mas o futuro, diz o provérbio, pertence a Deus. A tristeza, disse Van Gogh, durará para sempre. Aliás, essas foram suas últimas palavras”.


Dois anos passaram-se desde o relançamento do livro e até agora nada mudou. O mundo está triste, os desgostos são diários e a tristeza é o único sentimento que dura. Por isso a vida é cômica. No final, somos os Alencar Costa e Oliveira - e Victor Heringer continuará vivendo dentro de nós.

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