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Foto do escritorMichele Costa

A sensibilidade de Gui Flor

Existem alguns tipos de Manacá, a árvore pioneira da Mata Atlântica: Manacá-da-Serra, Manacá-de-Cheiro, Manacá-Gigante e o Manacá-da-Serra-Anão. Algumas florescem na primavera e verão, enquanto outras ganham vida no inverno. No frio ou no calor, sob chuva ou sol, os manacás dão flores de três cores, variando entre o roxo, branco e lilás, alegrando o ambiente. Gui Flor conhece muito bem a planta: além de ser cantora, compositora, desenhista e dançarina, também é professora de biologia. Ela acaba de lançar "Flor de Manacá", single que cria um universo cativante, onde convida o ouvinte a metamorfosear-se com ela e suas plantas, saindo da realidade.


Gui Flor é o nome artístico de Carolina Coester. Por que a escolha do "Gui"? Ela explica: "O Gui e/ou Guigui é relacionado ao lado da memória, da minha família. Meus avós e meus pais dizem que a primeira palavra que falei foi guigui; e que eu apontava para tudo e dizia guigui, inclusive para mim mesma. Quando me dei conta, eu já era Guigui". Gui (ou Guigui, se preferir), não é séria, pelo contrário: é alegre e te conquista na primeira palavra. Inclusive, a jovem se declara "sensível bicho do mato" - uma ótima definição para uma pessoa que quer que o ouvinte dance com ela, celebrando o momento, ao lado da natureza.


Foi só agora que Gui liberou o seu lado artístico, apresentando suas canções. Descobriu, desafiada, que é possível fazer do seu cotidiano (vivências, botânica e sentimentos) suas composições. Inclusive, sua primeira música foi lançada através da Coletânea "Mapa Astral Vol. 2: Água", da Tal & Tal Records. Em breve, soltará outras canções - uma delas foi escrita para sua gata.


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Ser professora te ajudou na postura de ser artista?

Muito! Muito! Dar aula é quase estar em cima de um palco. Tu cria também um personagem e tu tem que vestir [isso]. O professor é quase um personagem de teatro - vai pegando coisas de outros professores legais, que tu gosta, e vai colocando. "Isso eu quero", "Isso eu não quero". Então, quanto mais você pratica, melhor tu fica. É uma encenação ali na frente. Eu também tenho uma personagem ali de dar aula... Tem aquela coisa de ter que conversar com o público depois de uma música, se apresentar, falar algo… Eu senti muito isso e ainda bem que eu fiz licenciatura [risos]. Às vezes eu saio do show e me pergunto: "Será que eu falei coisas com sentido?" Porque você tá tão nervosa… Aí eu perguntei para alguém que estava lá, pro namorado ou para o pai, se as coisas que eu falei fizeram sentido [risos].


Tem esse nervosismo, essa ansiedade de estar no palco?

Eu fiz aulas de dança dos 12 aos 18 anos e a gente tinha que se apresentar no palco. Eu tinha um professor que fazia um círculo e falávamos umas palavras - isso tornou um mantra pra minha vida. Aqueles minutos antes [de subir no palco] de apresentar um trabalho, eu ficava muito nervosa e aí quando eu falava as palavras… Sumia. Melhorava.


Mais cedo, você falou sobre o desafio de escrever. Como surgiu esse desafio? Por que foi tão difícil escrever?

Esse desafio surgiu com o meu primo que é estrangeiro e ele é produtor de música. Às vezes ele vem para o Brasil porque é aquele estrangeiro louco pelas praias do Brasil [risos]. Quando ele vem, ele sempre traz caixa de som, microfone, violão e eles acabam [ele e a esposa que também canta] fazendo aqueles showzinhos em bares de praia, bem basicão. E uma vez eu falei para ele como eu achava legal, porque eu sempre toquei cover. Aí ele me falou que eu tinha uma voz boa e que se eu treinasse, seria possível fazer alguma coisa. Eu pensava que música era muito difícil… Escrever, fazer a melodia… Aí ele falou: "Olha, eu trabalho com isso há mais de quarenta anos e eu vou te dizer que coisas muito estranhas fazem sucesso" - então é prática, não é dom. Tu tem que escrever coisas que tá sentindo Eu fazia isso. Tentava uma melodia e nada dava certo. Não era possível, o cara tava louco! Aí ele disse: "A próxima vez que eu voltar, tenho certeza que vai ter uma música. Estou te desafiando!". Como eu sou competitiva, aceitei o desafio. Ele voltou para a Alemanha e eu fiquei aqui… Tava chegando perto da data dele chegar, um ano depois, e nada saia… Aí, um dia, eu estava sentada no sítio do meu avô, com minha irmã e meu cunhado, de bobeira, bebendo um pouco e começamos a inventar umas letras absurdas, umas bobagens. Aí, do nada, desceu uma letra! Minha irmã e meu cunhado começaram a me ajudar e ali, no calor da luz, saiu uma música incompleta. Ela foi a primeira música autoral - mudou muito de lá até aqui -, e eu fiquei: "Eu não acredito! Nasceu!".


Agora, você acredita que é possível continuar escrevendo…

Exatamente! Eu notei que a escrita é uma prática para o cérebro e quando a música vem com a melodia, ela meio que vem pronta. Parece que seu cérebro aprendeu a fazer o caminho. Depois dessa, eu consegui fazer uma ou duas músicas por ano - no total são cinco. Todas elas foram… Uma delas, que é a "Flor de Manacá", que saiu agora, foi estranhamente fácil. Eu já tinha a letra pronta, mas não gostava da melodia, uma hora eu tava brincando com o violão e vi que aquela melodia [que fiz na hora] parecia mais divertida. A letra mudou, se modificou, se transformou, por isso, que digo que é uma música melhorada. Agora, as outras… Quando a melodia surge, as letras já estão meio prontas, então tento encaixar.


Depois que você descobriu que é possível escrever músicas , o que vem primeiro, a letra ou a melodia? Se vier veio, se não vier tá tudo bem…

Cada uma foi uma história. "Flor de Manacá" e "Júpiter", que vai ser a próxima a ser lançada - inclusive é uma homenagem aos nossos bichinhos de estimação -, foram diferentes. "Flor de Manacá" a letra tava pronta e surgiu a melodia, mas normalmente é igual a "Júpiter", desce uma melodia com letra - vieram juntas. Só que sempre começa com uma brincadeira do dedilhado - sempre acho o dedilhado interessante e me ponho a gravar para não esquecer depois; vai que aquilo faz sentido em algum momento. Eu tenho muitas melodias gravadas que nunca se transformaram em nada… É um método estranho. Às vezes ela vem pronta e em 20 minutos eu termino ela e, às vezes, quando vejo que em 30 minutos ela não ficou pronta, não caminhou, eu sei que não vai chegar em nada. É um momento que tenho que guardar a euforia e a música fica incompleta. Tenho várias músicas incompletas que não consigo achar um fim, aí deixo de molho - "Flor de Manacá" foi uma delas que depois voltou com tudo.



Uma coisa que me chamou atenção foi a sua frase: "Estou tentando me encontrar”. Como tem sido? Rola a comparação com outros artistas?

Olha, o caminho da compositora Gui Flor, agora falando do meu lado artístico… Se eu parar em cinco músicas, já acho sucesso. De uma pessoa que achou que não faria nada e fez cinco músicas - e eu gosto delas -, já fiquei muito contente! Quando saiu a primeira eu disse: "Deu, nunca mais vou fazer nenhuma". Estou muito feliz com a quantidade que eu tenho, acho que é muito mais qualidade do que quantidade. Acho que o se encontrar vai muito mais além do ser só compositora e artista, tem toda essa caminhada do início da vida adulta, do que tu quer pra vida… As músicas caminharam comigo em todos esses momentos. Eu vi que os momentos mais tristes, mais baixos que eu passava, surgiram inspirações.


Suas letras, além de ter muito de você, tem também sua família. A gente pode entender que sua família é uma inspiração?

Com certeza! A minha família, tanto de sangue como meus amigos, são meu apoio e minha inspiração. Acho que nossas inspirações são aquelas coisas que trazem emoção pra gente. Eu amo estar ao lado de outras pessoas, seja meus irmãos ou todos meus amigos. Acho que é isso… Se meu primo não tivesse me desafiado, eu não estaria onde estou.


A música sempre esteve em sua vida, você teve o apoio dos seus pais, mas só agora você se lançou. Por que essa demora? Ela foi necessária para você entender o papel da música em sua vida?

Ali nos meus 20 anos, o violão começou a ficar "entediante", porque era sempre a mesma coisa. Aí teve um momento da minha vida que eu comecei a ter contato com pessoas que tocavam e eram experimentais também… Eu tive uma banda com os meus vizinhos, chamada "Os Vizinhos", e era bom compartilhar… Meu sonho de adolescente era ter uma banda punk [risos], mas não deu… "Os Vizinhos" não era punk, era muito MPB e foi uma coisa que me deu muito ânimo. Eu queria muito começar a me apresentar como uma banda… E eu tive esse momento de compartilhar com outras pessoas e é muito divertido! A gente só se apresentou uma vez, mas depois desse show eu pensei: "Bah, é uma coisa que eu consigo me ver fazendo de vez enquanto". Música eu vou deixar no fundo da minha cabeça, porque eu tô feliz sendo professora na escola, não vai ser meu ponto focal, não é meu foco principal ser famosa, vou deixar as coisas acontecerem. Estou muito feliz onde estou.


Você se lançou durante a pandemia. Como foi lançar sua música em um momento tão delicado? E qual foi a alegria de lançar durante esse momento tão terrível?

O momento de lançar foi um momento legal, porque é uma forma de me conectar com as pessoas que amo. Com os meus amigos fofos, com todo mundo em casa que eu não vejo há tanto tempo, eu consigo me conectar com eles. Eu sei que eu tô na caixinha de som ou no fone de ouvido deles e eles estão me escutando, de alguma forma, eu invadi o espaço deles para dar alguma alegria, um pouquinho de energia e eles pensarem em mim. É um jeito de se conectar no momento sem conexão. É uma super oportunidade nesse sentido.

A coisa do estúdio, de não conseguir ir lá para gravar, acaba deixando a produção da música limitada - a gente tem um limite com as coisas que tu tem em casa, o que faz te tornar criativa… Eu lembro que em "Flor de Manacá", eu tinha que gravar para mandar para o Kevin [produtor da Tal & Tal Records], e quando eu apertava no botão de gravar, a cachorrada da zona sul começava a uivar e aí eu mandava para ele, achando que não tinha aparecido, e ele falava: "Olha, tem uns cachorros uivando no fundo da gravação" [risos]. Esse problema não existiria no estúdio. Tem esses desafios de casa: colocar camiseta em volta do microfone, editar… Eu comecei a entender um pouco mais de edição de música, o que foi bem legal. Hoje, eu escuto música com outro ouvido. E a dificuldade de não ter alguém aqui comigo para estar do lado - essa mediação foi toda pelo WhatsApp e videoconferência. Mas eu gostei do momento, acho que foi o momento certo para lançar.


Você convida o ouvinte a dançar em "Flor de Manacá", a entrar em sua vibe e sair da realidade. É esse o seu objetivo com o ouvinte?

Se dançar melhor ainda [risos]! Gostei bastante de lançar "Flor de Manacá", porque a gente tá em casa e quem sabe a música não traz uma alegria para dentro das casas das pessoas?! É muito engraçado, porque "Flor de Manacá", em vez de ser as palavras que vieram, foi uma imagem que me veio. Eu fechei os olhos e veio a imagem de uma fogueira na beira da praia e tinha uma galera dançando, girando… E eu pensei: "É isso aqui!". Por isso que tem lua, tem mar, tem tudo - é um luau que a galera tá curtindo.


Quais os planos para o futuro?

Além das outras músicas, já tem alguns shows marcados para algumas coletâneas da Tal & Tal Records, mas se surgir oportunidade para fora, eu tô pronta!


Em breve, será lançado, através do Youtube, o Tine Barn, onde Gui Flores apresenta suas músicas ao público, do sítio para a internet. Aproveite o momento para dançar com a artista e sair dessa realidade dolorosa.


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