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Foto do escritorMichele Costa

A tecnologia libertadora de Pedro Silveira

No texto "Fragmento Sobre as Máquinas", Karl Marx antecipou sobre a forma de produção no capitalismo selvagem. Após a Revolução Industrial, a tecnologia começou a aprisionar o trabalhador. Hoje em dia, vivemos na sociedade do cansaço, que naturalizou a produtividade, alta performance em uma positividade tóxica, como explicou o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han. Como é possível viver em um mundo tão cruel?


Um dos meios que o multi-instrumentista Pedro Silveira encontrou para continuar seguindo sua caminhada foi através da música. Vivendo em uma realidade dolorosa, Pedro transformou seus sentimentos em cinco canções que estão no "Fragmentos Sobre as Máquinas", seu primeiro EP que sai pelo Selo Parafuso, que homenageia Marx.


Construído durante o início da pandemia, o álbum traz o caos, a revolta, angústia e o ódio que o ser humano passou durante o vírus da Covid-19, além de refletir sobre a melancolia moderna.


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Como você descobriu que queria seguir essa carreira artística?

Minha família é muito musical. Por mais que não tenha músicos na família, é uma família muito musical. Minha mãe sempre gostou muito de escutar coisas diferentes e de apreciar a música. [Quando era] criancinha, uma vez fiz aula de violão e não segui… Depois surgiu uma oportunidade de eu fazer aulas de música em um instituto que tem aqui perto de casa, o Instituto Baccarelli, que dá aulas de música clássica para crianças e jovens, na região do Heliópolis. Então, quando eu era criança, minha mãe, um dia falou: "descobri a escola aqui que dá aula de música de graça, não quer ir lá fazer?", sei lá, eu tinha oito anos de idade, aí eu fui - fiquei dez anos estudando música lá. Era música clássica lá, né. Então, eu participei de coral, tocava com orquestra, tinha aulas com músicos que eram convidados, tinham os professores… Ali, foi onde, de fato, eu fui introduzido a esse mundo de fazer música, ver a arte como é.

Aí, você vai conhecendo amigos ao longo da vida que vão te influenciando para caminhos diferentes. Em um momento, eu falei: "vou estudar composição para fazer faculdade de música", já [que] gostava muito de alguns estilos diferentes, coisas diferentes, e gostava de criar. Fiz o vestibular, não passei. Sempre tinha uma pressão de família para… "Pô, vai fazer música? Vai fazer outra coisa" - e eu caí no golpe da família [risos]! O meu plano era o seguinte: eu passei em um curso de engenharia, vou fazer um ano, enquanto eu vou fazendo esse primeiro ano, vou estudando música e no final do ano, eu faço o vestibular de novo e aí troco de curso; só que eu acabei gostando [de engenharia] e acabei ficando. Tô até hoje estudando engenharia e física. Por um tempo, eu fiquei perdido, porque faculdade toma muito seu tempo e acabei sendo "forçado" a ficar longe da música…

Sempre gostei de criar. Quando tinha bandinhas ou projetos, eu era a pessoa que puxava e organizava tudo. Fui percebendo que eu fazia isso bem e tudo que eu aprendi na faculdade, dava para casar uma coisa com a outra, então, minha vida musical foi tomando formas diferentes. Fui achando outros caminhos para arte, além de tocar, ajudando outros artistas a conseguirem fazer as coisas deles acontecerem.


Como foi o processo de ter aprendido e tocado música clássica para os dias atuais, que engloba muitos gêneros musicais?

Acho que a maioria da população não escuta música clássica, de rolê, de brincadeira. Não foi algo natural, não surgiu do nada. No começo, era meio que por brincadeira, mas aos poucos, fui tomando forma, fui tomando gosto e entendendo melhor, conhecendo os compositores, os períodos históricos - foi daí que foi surgindo esse gosto por música clássica. Na minha família, ninguém escutava música clássica, minha mãe escutava muito MPB, o pessoal da minha família que é de Minas escutava música caipira, música sertaneja raiz. Com os amigos, eu já comecei a escutar bastante rock… Foi virando um grande caldeirão. Tava ali ouvindo música clássica, quando eu ia pra casa do meu pai, tava escutando Tonico e Tinoco, tava escutando Ana Carolina com a minha mãe e na escola… Eu tava ouvindo diversas coisas diferentes. Teve uma época, na adolescência, em que eu fui mais metaleiro…

Todo mundo passa por essa fase.

Pois é. Toquei em umas bandas de metal, mas passou essa fase ortodoxa [risos]. Depois eu fui percebendo que eu gosto de muita coisa diferente e eu posso fazer uma coisa que não seja fechada dentro de um certo nicho musical. Por que não posso misturar a música clássica com o sertanejo?

E agora, você encontrou o seu caminho? Se bem que a palavra caminho soa forte…

A minha própria ideia de caminho… Eu acredito que o caminho não é uma estrada, uma estrada que já está pré-definida e delimitada. O caminho, ao meu ver, você constrói junto com o caminhar. Então, nesse sentido, sim. Eu estou caminhando, mas pra onde… Talvez eu não saiba e nunca vou saber, mas pra algum lugar, eu tô caminhando, esse caminho está sendo construído.

Você está disposto a ir para qualquer lugar?

É… Não sei se qualquer lugar [risos]. Estou disposto a ir para muitos lugares.


Como foi o start para "Fragmentos Sobre as Máquinas"?

Não teve um start. Ele, particularmente, foi construído de uma maneira diferente. Eu vou dar uma volta para explicar isso. Nesse caminho que eu comentei, eu vejo que esse caminho de produção musical, ficou mais forte pra mim durante a pandemia. Foi esse momento de firmar essa posição e falar: "eu vou fazer isso". Eu comecei a me gravar muito mais, a compor muito mais, compor com os meus amigos muito mais e aí surgiram várias coisas. Algumas coisas eu já tinha compilado, um tempo atrás, eu tinha lançado um EP que tirei do ar logo depois, porque eu não achei bom - foram testes, foram experimentações. Eu comecei a fazer coisas dos meus amigos, junto com eles e para eles. Eu tinha várias músicas que estavam soltas, tinha composto ou tinha até gravado e elas estavam soltas, sem nenhum sentido explícito. Aí eu comecei a pensar mais sobre elas. Por mais que não houvesse esse sentido explícito, não foram compostas para isso, com uma finalidade, eu via que tinha algo que conectava essas músicas. A maioria das músicas do "Fragmentos Sobre as Máquinas" tava composta ao longo de bastante tempo. A primeira música desse EP foi composta no final de 2019 e as outras foram ao longo de 2020, 2021 e 2022. A única música que eu compus para esse EP foi "Primeiro Como Tragédia", porque eu já tinha as outras quatro músicas e aí eu sentia que faltava algo, que fizesse essas quatro conversarem em um sentido sonoro, pra dar uma coerência dentro do EP. Então, eu fiz essa música, pensando nessa coerência sonora - foi a única música que eu fiz com a intenção de estar no EP; as outras foram surgindo em momentos diferentes.

Durante a pandemia, passei por um processo de processo político mais forte, então eu comecei a me engajar mais politicamente e acho que dá para sentir um pouco disso no EP. Desde da música "Gagarin", que talvez seja o início, dessa jornada, dessa busca. A "Zizek" [e a “Gagarin”] acho que representam um certo tipo de espírito político que eu venho buscando. Isso está muito presente em mim e na música.



O EP foi construído durante a pandemia, que despertou diversos sentimentos, diversas agonias e revoltas. Você passou pelas fases do luto e tá muito nítido. "Fragmentos Sobre as Máquinas" surgiu como um momento de salvação?

Eu acho que sim. Não sei se é um momento de salvação, mas com certeza foram pequenos refúgios. [Fazer música] é o momento que eu vejo que eu sei fazer bem, que faz bem pra mim, que pode fazer bem para outras pessoas, consigo estar de boas e com meus amigos fazendo isso… Todas essas músicas foram pequenos espaços de refúgio da vida. Foi parar um pouco e colocar para fora algo que eu estava sentindo, vendo e não sabendo expressar de outra forma se não fosse essa.


O título é um pouco ambíguo. Qual o significado?

Existem algumas camadas de significado. A mais simples, que por si só não é tão simples, "Fragmentos Sobre as Máquinas" é o nome de um texto do Karl Marx. É um texto sobre tecnologia - é um tema que eu me interesso muito e é extremamente importante ser discutido. Ele fala no texto como a tecnologia é utilizada para aumentar a exploração do trabalhador. O texto principal é sobre isso, que já é algo extremamente importante. "Fragmentos" é por conta das músicas que foram compostas em momentos diferentes e sem essa intencionalidade de estar dentro de um único trabalho - são fragmentos meus, talvez, fragmentos das minhas músicas. Como é um tema sobre tecnologia ligado à exploração do trabalhador e luta de classes, é um tema que eu me importo muito, e que está de alguma forma dentro de todas as músicas também, não deixa esses fragmentos, essas músicas, terem a ver com esse tema, por mais que não seja explicitamente, não esteja falando na letra da música. Acho que é uma junção de tudo isso.


Marx, política e luta de classe inspiram sua obra?

Sim, bastante. Acho que sempre fui uma pessoa de esquerda, mas nunca tinha elaborado sobre isso. Era sempre "ah, eu sou", mas nunca tinha ido ao fundo. A partir de 2020, tive esse processo intensificado de politização. Sinto que a pandemia foi uma indignação de "Pedro, não dá mais para ficar de boas". Eu me tirei o medo de dizer que eu sou comunista - foi um processo dizer que eu não sou de esquerda, eu sou comunista! Marx e Hegel me inspiram por organizar essas ideias e ser um motor teórico de te dar ferramentas para pensar, analisar, e mudar o mundo.


Agora te pergunto: qual o seu objetivo ao fazer música? Você também quer trazer uma mudança na pessoa que te ouve?

Eu quero compartilhar. Eu quero colocar pra fora até chegar nesse momento, usando o linguajar marxista, esse processo dialético, com outras pessoas. Eu fiz um negócio que eu queria fazer, coloquei minhas ideias pra fora do papel e joguei elas pro mundo. O que eu quero agora é receber de volta. Quero que alguém escute e diga: "putz, gostei muito disso" ou "achei muito legal" ou "isso me lembrou tal coisa", porque isso é muito doido… O que mais me anima é esse feedback. É legal quando tem alguma transformação, um olhar de outra pessoa, quando minha música proporciona algo sobre isso, é maravilhoso! Não é a intenção, eu tô expondo o que eu tô vendo e a partir disso, imagino, as pessoas vão olhar de uma outra forma.


Quando foi o momento que você percebeu que queria compartilhar suas músicas com outras pessoas? Tem aquele momento do "está bom o suficiente" para soltar pelo mundo?

Isso é difícil [risos]. Tem um pessoal no mundo do áudio que fala: "você não termina uma música, você desiste dela", porque se você puder, você continua enrolando, tentando mudar uma coisinha, sabe? Tem uma hora que eu preciso falar "acabou", porque se não, eu nunca vou fazer nada, vou ficar sempre esperando ficar melhor.


São cinco canções em um álbum que trazem diversos sentimentos e sensações. Me lembrou muito a melancolia, justamente pelo momento que vivemos, mas também traz uma revolta para seguir adiante. Como que foi trazer todas essas sensações?

Em questão de processo foi muito natural, nenhum desses sentimentos foi pensado. É interessante saber - eu não tinha pensado nessa melancolia. É um sentimento que estava e está presente. Ao meu ver, apesar de ser melancólico, é diferente de tristeza - vejo que é um reflexo desse tempo que a gente vive. Por mais que as coisas pra mim estejam bem, eu não consigo ficar bem, tem gente morrendo por um vírus que já tem vacina… Nietzsche tem uma passagem que fala que tá todo mundo caindo dentro de um buraco infinito; tem gente que chora e entra em desespero, tem gente que ri e dança. Tem quer ser materialista hoje: é isso que eu tenho, o que eu vou fazer com isso? Tento ser positivo, mas não consigo ignorar a realidade.


No livro "Favor Fechar os Olhos: Em Busca de um Outro Tempo" (Vozes, 2021), Byung-Chul Han defende a necessidade de outro tempo, onde o indivíduo consiga ser livre e ter o prazer de fechar os olhos, olhando para si mesmo, sem exploração. O EP de Pedro também traz essa mensagem: a necessidade de mergulhar dentro de si e festejar quando é possível. Desliguemos as máquinas para viver.

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