No final dos anos 60 e início dos anos 70, diversos músicos se reuniam nas esquinas de Santa Tereza, bairro de Minas Gerais, para celebrarem a música – assim, surgiu o Clube da Esquina. Carolina Zingler seguiu os passos dos artistas estreando a Esquina do Jazz pelas ruas de São Paulo. Criada em 2015, a cantora e compositora embalava o público com groove, folk e jazz.
A esquina, assim como ela, não fica presa em apenas um lugar: Carolina levou o seu canto para outros países, emocionando novas culturas. A rua - que se torna seu palco - é seu lugar sagrado. " A música de rua tem uma espontaneidade ímpar que deixa a atuação singular e as pessoas que param pra te ouvir e dividir esse momento com você só ficam ali porque a música as tocou de alguma forma. É uma relação muito sincera e preciosa", explica.
Com 15 anos de carreira e 4 álbuns - com canções em português e inglês -, Carolina Zingler está libertando os suas experiências em "Transformando o Céu", último single, que remete a um desconforto, um grito de liberdade que se desenrola de maneira crescente, com instrumental e backing vocals cheios de energia. "A gente tem que encarar e sentir as coisas, por pra fora e se firmar no caminho que a gente quer trilhar. Essa música sempre me acolhe quando alguma coisa me tira o chão", comenta sobre a canção que surgiu ao colocar as palavras em um caderninho.
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A esquina do jazz te ajudou a desenvolver a sua carreira?
A Esquina do Jazz foi um divisor de águas na minha relação com a música porque a partir dessa experiência de ir para as ruas apresentar minhas criações musicais eu entendi uma forma muito especial de conectar com as pessoas e também me desenvolver como artista. É um desafio grande artístico, requer habilidade e muita humildade da parte do artista. Eu penso minhas apresentações como uma performance de intervenção urbana, tornando a cidade um palco vivo e as variáveis são muitas. A música de rua tem uma espontaneidade ímpar que deixa a atuação singular e as pessoas que param pra te ouvir e dividir esse momento com você só ficam ali porque a música as tocou de alguma forma. É uma relação muito sincera e preciosa. Eu acho que a Esquina do Jazz me levou aos grandes encontros que desenharam meu caminho profissional e também pessoal.
Você levou a esquina para outros países. Como foi essa experiência?
Eu tocava na Av. Paulista e no Parque Ibirapuera em São Paulo, e adorava. Sentia que a Paulista estava cada vez com mais músicos de rua a se apresentarem por lá. A música de rua é assim, quando a gente descobre um lugar interessante outros músicos sempre chegam, e a gente entende que é hora de buscar novos horizontes. Eu já estava sentindo isso, quando meu sócio, Tomás Gleiser, tinha recém voltado de Portugal de uma tour com sua banda Mustashes e os Apaches, e tinha dito que era lindo o movimento de arte de rua que havia por Lisboa e pelo Porto. Então eu resolvi ver com meus próprios olhos. Eu adorei tanto que uma viagem de 20 dias, virou 4 meses. Isso foi em 2018. Depois em 2019 eu resolvi desbravar outras cidades da Europa e África e essa tour independente aconteceu e virou um documentário que chama "Take my soul to Fly" e está no meu canal do Youtube. Passamos por Lisboa, Luxemburgo, Berlim, Amsterdã, Paris, Praga, Marraquexe e Porto e para cada cidade, há um episódio contando como é chegar nesses lugares e tocar nas ruas. Desse movimento também surgiu um disco experimental, que é meu 4º álbum audiovisual, chamado Inspiration Sessions Vol I. , pois em cada cidade que passamos realizei o experimento de compor canções influenciada pela experiência vivida em cada cidade. A ideia era que a composição não passasse pelo processo mental, então sem preparar nada, eu só sentava com o violão em frente aos microfones do estúdio que levei com a gente e me deixava levar pela frequência vibracional daquele momento. E a graça desse experimento era que o registro do áudio e do vídeo fosse desse momento, sem maiores edições ou elaborações posteriores. Nasceram 8 músicas, eu chamo esse disco de Disco Polaroid, porque é instantâneo. Está em todas as plataformas, mas também está no meu Youtube. Eu quero repetir essa experiência muito em breve e criar o Inspiration Sessions Vol II. A capa foi feita por uma artista que também performa na rua, Irene Basso. Meus parceiros no documentário e no disco são Barbara Mucciollo, Renê Baldissera, Patricia Tessmann, Leo Stein.
Você carrega cada cidade que passou dentro de si. Esses lugares te transformaram e/ou impactaram o modo que você vê e consome a música?
É impossível não se deixar envolver com a quantidade de informações novas que te atravessam quando a gente viaja e vai conhecer novos horizontes, pessoas e culturas diferentes. Sempre conheço novos músicos e músicas que me inspiram demais, a música do mundo é um grande tesouro.
Na música “O amor”, você canta: “deixa o amor entrar, levar a dor / todo caminho passa por aqui”. Esse caminho atravessa o mundo, imitando sua história?
Eu acho que na vida é inevitável não passarmos por experiências que nos magoam de alguma forma, e a única forma de viajar pela vida sem peso é deixando as mágoas para trás. Quando a gente perdoa, o peito fica mais leve e a gente abre espaço para novas experiências entrarem no lugar desse espaço que o peso ocupava. Todo caminho passa pelo perdoar, ressignificar, compreender, amadurecer. Tudo são experiências e com amor no coração nossa alma canta. Sim, eu já vivi coisas que precisei perdoar e ressignificar, acho que todo mundo já passou por isso.
Inspiration Sessions Vol.1, lançado em 2020, foi o seu último álbum. Quatro anos depois, você está preparando “Eu viro bicho”. Como está sendo esse retorno?
Esse retorno está bem agitado porque lançar um álbum requer muito planejamento e trabalho para que a música chegue até as pessoas. Foi um processo muito lindo, a construção de Eu viro bicho, eu tenho dúvidas se a gente cria ou se a criação nos busca pra nascer. O novo álbum é diferente do anterior, tem outra pegada. Foi uma bela pesquisa desenvolvida. As composições foram surgindo e quando eu entendi que era o momento reuni a minha banda para gravarmos: eu, Bárbara Mucciollo, Tomas Gleiser e Fernando Lima gravamos as bases em São Paulo no estúdio da Lua com Gustavo Breier, ao vivo, para capturar a energia da música com essa qualidade "viva". Na sequência fui colorindo as canções com participações de músicos muito especiais, como as irmãs Estela e Eloiza Paixão, Cisco Vasques, Fabio Mello, Vanessa Garcia, Alemão da Cuica, Gabriel Barbalho, Rafael Lorga, Riccieri Paludo, Hemerson Coelho, Felipe Arthur. Eu produzi o disco buscando uma naturalidade nos timbres e valorizando a performance dos músicos, então na mixagem tentei preservar essa característica. Foi um processo lindo mixar essas faixas. Teve uma intervenção do Raul Misturada no pós, pois fizemos alguns processamentos analógicos, e a Master foi feita pelo Arthur Joly. Eu diria que é meu disco mais brasileiro, trazendo o Ijexá, a bossa nova, o rock, o groove como pulsação das canções. As músicas falam sobre amor, crises ambientais, do tempo que nos foge, e em geral o disco desenha uma rota que discursa sobre essa nosso caminho pela vida e a preservação da nossa essência que nos move em busca do que acreditamos e desejamos construir.
“Transformando o céu” foi divulgada recentemente e é um grito de liberdade. Conte um pouco mais sobre o processo e como foi gritar.
Pra mim, a Transformando o céu me acalma sempre que escuto, ela é uma música que libera sensações e me relaxa, me coloca pra dançar e ver as coisas de uma perspectiva mais leve. Ela me traz essa sensação de confiança na vida e coragem de seguir. É um grito de fé e amor, me energiza. Mas também é muito amplo e cada um sente de uma forma. Eu espero que traga boas sensações.
O que podemos esperar de Eu viro bicho?
Eu acho que Eu viro bicho é um disco dançante, ora reflexivo e misterioso. Traz um céu estrelado para mirar, a energia das matas, dos rios, do feminino, dos encontros no amor. Traz alguns tesouros do Brasil pela musicalidade desses país, misturada com as influências de todxs os músicxs que participaram dele. Eu sinto que ele tem um brilho e uma força muito especial. É muito emocionante finalizar um processo de criação.
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