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Foto do escritorMichele Costa

Ciro Belluci: "O disco é um retrato do que tenho e do que sou"

A música "Oriente" de Gilberto Gil abre o álbum "Recanto" (Selo Sensorial Centro de Cultura, 2022) do mineiro Ciro Bellucci. Com uma nova roupagem, Ciro apresenta 11 regravações de clássicos da música brasileira que marcaram sua existência; e uma canção inédita. Misturando música e teatro, o jovem mineiro descobriu o seu lado artístico ainda na infância e desde então, nunca mais parou de criar, cantar e atuar.

Ciro traz para seu disco-show a influência do grupo de teatro Ponto de Partida que mudou sua vida. Ao lado de Pitágoras Silveira (piano), Gladston Vieira (bateria) e Matheus Duque (sax), Ciro traz para o seu disco-show a influência dos aprendizados recebidos do grupo que transformou sua vida. Para finalizar, "Recanto" recebe as participações de Zé Ibarra, Vanessa Moreno, Nailor Proveta e Paulo Paulelli, aumentando a potência das 12 canções.

Com voz calma e uma felicidade que é vista através da câmera do Zoom, Ciro fala sobre tudo: do passado ao presente com suas releituras, a criação do seu primeiro álbum, o teatro e a música e "Recanto", sua primeira obra recém-lançada com recursos da Lei Aldir Blanc.

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A música foi introduzida na sua vida quando você era uma criança. Logo depois, você foi para o teatro. O que chamou sua atenção para perseguir nesse caminho?

A música sempre esteve presente em minha vida desde pequeno [corte na gravação]. Eu tive contato muito cedo. Eu tenho memória de muito pequeno, ter [tido] contato com algum tipo de música diferente. A minha irmã fazia aula de violão e eu queria fazer, mas eu era muito pequeno e acharam que não tava na hora… Uma hora, minha irmã resolveu parar e eu falei: “ah, deixa eu pegar o horário dela, vai que dá certo”. Aí comecei a fazer as aulas, quando eu tinha, mais ou menos, uns sete ou oito anos - e desde então, nunca parei. Aí eu fazia aula com professor daqui da cidade, que era amigo do meu pai, fiz aula com ele por um tempo e com 10 anos, comecei a fazer teatro também… Aí já virou a junção, que é assim até hoje na minha vida, música e teatro andam de mãos dadas, andam se entrelaçando e também se costurando o tempo todo. Aí com 14 para os 15 anos, entrei para a Bituca, Universidade de Música Popular, uma escola que é daqui de Barbacena, foi criada e é mantida pelo grupo Ponto de Partida e aí foi na Bituca que tive meu estalo, a decisão de que falei “isso é a minha profissão”. Foi incrível na Bituca, porque eu tive contato com professores e alunos com altíssimo gabaritos, como o Ponto de Partida que é uma referência absurda, com pessoas de muitos lugares, a Bituca recebe alunos do Brasil inteiro; na minha turma teve até gente de fora do Brasil que se mudou para alguma cidade aqui perto para fazer aula na Bituca… Então, essa efervescência de muita gente junta no mesmo lugar e exalando música e querendo trocar… Enfim, foi um momento muito intenso, quase caótico, mas muito importante na minha formação.

Aí quando eu me formei na Bituca, comecei a fazer uma residência artística no grupo Ponto de Partida, que é um grupo de teatro, mas essencialmente teatro musical, então, tava muito na minha área também, fiz uma residência de dois anos no grupo e depois fui incorporado oficialmente.


Você começou na música, foi para o teatro e essa força teatral também tá muito presente em “Recanto”, né? Queria saber se o teatro também te ajudou na compreensão das letras que você gravou e também na hora de performa-las.

Sim, com certeza! O teatro veio muito cedo também, mas atualmente eu tenho mais segurança e mais intimidade e mais bagagem com música do que de teatro. Eu tenho mais experiência quanto músico do que quanto ator. Mas, apesar disso, as duas coisas sempre estiveram muito juntas e de uma forma que internamente eu não consigo dissociar. Pra mim, a letra da música vem com uma importância igual a outras coisas e isso é uma coisa que vem muito do teatro… A forma de cantar, de entender a letra também vem muito do teatro e acho que também a forma, de não só entender a letra, de eu me colocar cantando também, mesmo que seja música instrumental… O meu eu artista, vem do palco. Essencialmente do palco. Eu não sei exatamente dizer o que é o que, mas vem do palco no sentido de uma performance. Tem um braço no teatro… Pra gravar as vozes no estúdio, tô pensando em mim no palco. Meu fluxo enquanto artista é no palco. Não sei precisar o que vem de onde, o quanto é de cada coisa… É uma bagunça ótima, mas é uma bagunça [risos].

E o que significa palco para você?

[Pausa] Palco… A gente tem uma máxima entre a gente que o palco é sagrado. E palco é sagrado pra mim no sentido de que no palco é onde eu me sinto mais completo e mais necessário - necessário no sentido, acho que palco me dá uma liberdade e um canal de comunicação com as pessoas que eu não consigo atingir de nenhuma outra forma. Acho que isso é o que mais me encanta no palco: a possibilidade de me comunicar com as pessoas, de uma forma que eu me sinta mais completo - no sentido de que o que a gente tá fazendo agora, por exemplo, é um improviso, você me pergunta, eu não sei o que você vai me perguntar, te respondo e tal… Viver isso no palco, tanto no improviso quanto no o que é marcado… Quando isso tá no palco, acho que isso em mim tem uma dimensão maior do que uma compreensão maior.

Você consegue fazer a distinção do que era antes do palco e o que é agora?

Acho que não. Como eu comecei muito cedo e desde muito cedo, obviamente, eu não sabia que isso seria minha profissão, mas desde pequeno, não convivia muito com pessoas da minha idade, porque eu já sabia que queria levar isso a sério, não queria brincar de tocar violão, queria levar isso a sério. Desde esse início, o palco tem essa função, essa força em tudo que eu faço artisticamente.


Outra coisa que me chama atenção é que você começou muito cedo e ainda é muito jovem. Com toda essa bagagem, qual a sua proposta de mensagem para passar ao público?

Sempre que eu estou no palco, sempre que estou nesse lugar de disposição, acho que a gente, eu, enquanto artista, sinto que tenho quase uma obrigação de ter algo a dizer, né? E ter esse algo a dizer varia muito, da situação, onde eu tô… Mas nesse caso em específico, nesse disco, um norte meu, é me apresentar para as pessoas no sentido de ser o meu primeiro trabalho, de ser um repertório que foi construído em cima de quase uma coletânea de memórias, de lembranças, de bagagem, de coisas que me marcaram durante a minha vida. Então, a construção desse repertório é feita para eu me apresentar e a escolha de fazer um disco de releituras foi também porque eu acredito muito e tenho um apreço enorme pela música brasileira e, por esse apreço, sinto-me na obrigação de levantar essa bandeira e levar para mais pessoas. Não que eu acho, jamais, estão esquecidos ou… Não é nesse sentido de “eu vou reviver a música brasileira” jamais! Mas no sentido de que eu acho que eu tenho um jeito diferente de falar sobre a música brasileira, assim como cada pessoa que pode fazer a mesma gravação e com o mesmo arranjo, que vai ter um jeito diferente de falar sobre a música brasileira. Falar sobre a música brasileira é infinito, tem muitos caminhos e explorar e reavivar e falar sobre esses caminhos e escolher esses caminhos… Esse conjunto de coisas, pra mim, é a forma que eu achei de exaltar a música brasileira e também agradecer, no sentido de que esse repertório, pra mim, é uma coletânea de bagagens é também uma forma de homenagear essas pessoas que eu cresci ouvindo, que cresci tocando junto com as gravações… Enfim, homenagear de alguma forma essas pessoas através do meu trabalho. Então, cada música tem uma temática, alguma mensagem digamos, mas no todo, o meu balanço geral é esse: me apresentar enquanto artista e levantar minha bandeira para a música brasileira com orgulho.

Tanta coisa boa que a gente teve, tem e continua tendo…

Acho que também tem uma coisa com o contexto que esse disco foi gravado: foi um projeto que eu aprovei através da Lei Aldir Blanc no meio da pandemia. Então, mais do que nunca, o fazer artístico é também uma resistência… Acho que sempre é, mas nesse contexto em específico e na situação política que a gente vive também, o fazer artístico é uma resistência - e que me dá esperanças em ter essa resistência também.

Durante o isolamento social, consumimos muita arte e mesmo assim, continuamos ouvindo que a arte não é importante, que não precisa de financiamentos e todas aquelas ladainhas; e me surpreende quando você diz que ainda tem esperança. Como você pensa que a arte será consumida ou se ela mudará no futuro?

Complexo né, menina?! Ela vai mudar e tá mudando todos os dias, porque a arte é resultado do que a gente vive, do que a gente conversa, do que a gente come… Então, ela vai mudar sempre. A forma de fazer vai mudar, a forma de receber vai mudar… Eu não sei nem deduzir como isso vai ser recebido, quais serão essas mudanças... Quando eu falo da esperança é porque, aquele sentimento de estar no palco, é isso: porque ainda acredito que a arte, independentemente de como ela seja ou de onde ela esteja, a arte tem poder de transformação e um poder de comunicação que é único, uma comunicação que não acontece por outras vias. Eu não sei como vai ser daqui dez anos, só sei que quero continuar fazendo. Foi um pouco do que a gente viveu na pandemia, né? No caso da música e do teatro, que são as duas coisas que mais pratico em minha vida, são duas artes essencialmente coletivas: preciso, no mínimo, de uma pessoa para me ouvir. Em situações melhores, a troca é muito importante e durante a pandemia, a gente não teve isso presencialmente. Deu-se um jeito, a gente fez vídeos no Instagram, fizemos espetáculos pelo Zoom e houve um debate sobre o teatro no Zoom - é teatro ou não é teatro? Virou uma discussão conceitual e pra mim, o saldo disso, eu não sei o que é e pouco me importo para dar um nome a isso, eu me importo em estar isolado dentro da minha casa e o modo de fazer arte é essa - e eu vou fazer.



Agora sim, falemos de “Recanto”. Queria que você contasse um pouquinho de como foi a criação e como foi transformá-lo em álbum.

A primeira fagulha para a criação do disco foi na verdade um show que eu já fazia com o Pitágoras Silveira, Gladston Vieira e Matheus Duque. A gente já tocava juntos em barzinhos e em cidades aqui perto, nada muito grande, mas era um projeto que a gente tinha um carinho porque somos amigos e temos gostos em comuns, então, a gente se juntava para tocar juntos, pra pesquisar repertório juntos e pesquisar sonoridades para esse grupo e tal… Então, a fagulha foi esse show que tem algumas coisas no repertório do disco que a gente já tocava nos shows, mas a princípio não era uma pretensão fazer um disco com essa formação. Não era um foco, mas quando pintou a Lei Aldir Blanc e tinha edital para ceder… Comecei a matutar na minha cabeça se era possível, se valesse a pena… Acabou que eu escrevi o projeto. O show não tinha uma linha de repertório muito clara, como era uma coisa informal, despretensiosa, era um repertório mais informal e despretensioso. Quando [o projeto] rolou, a gente começou, ainda só como esse quarteto, a gente começou experimentar, tocar junto, teve um tempo para experimentar as coisas antes de ir ao estúdio para gravar e no meio desse processo foi que entrou o Paulo Paulelli; quando a gente começou a experimentar, algumas coisas eu já tinha claro na cabeça, outras coisas eram perdidissimas, então, achei a necessidade de ter um olhar de fora para dar uma organizada no caos que é a criação.


Todas as canções que você escolheu tem um significado para você. Queria saber qual foi a determinação de escolher apenas 11 músicas.

Foi loucura e aí eu tive que começar a colocar peneiras, se não, eu não ia conseguir chegar [nas músicas]. Eu fui escolhendo coisas, tem coisas que também estavam na cabeça no momento, né?! De coisas que eu tinha ouvido recentemente ou coisas que a gente já tinha tocado e que já eram legais que eu queria fazer algo… Esse foi um primeiro filtro. Comecei a buscar, também, dentro do que eu toco, dentro do que eu ouço, o que eu julgava importante, pensando em ter as minhas referências - só que ainda continua muito aberto. Eu tive que ir combinando várias peneiras simultâneas para poder atender os meus desejos, mas ainda assim pensando num todo, que teria que virar um disco e ter uma coesão entre si. Até as últimas horas, teve música que tava certa, fomos para o estúdio gravar e não vingou e mudamos em cima da hora.


Muitas das músicas que você escolheu para o repertório foram lançadas há muito tempo. Como foi a sensação de revisitar essas épocas que a gente não viveu e dar voz a elas, ainda mais quando o passado é parecido com o presente?

É engraçado isso, porque às vezes isso é bom e às vezes é ruim, porque é um passado tão passado. São músicas, muitas delas, fazem sentido hoje e vão fazer muito sentido daqui dez anos. Acho que esse é um dos triunfos da canção brasileira - ter também uma riqueza de alma, digamos assim, que não soa datada. Eu acho, por exemplo, que é um repertório que as músicas antigas ainda fazem algum sentido. Acho que dar voz a elas é também outra forma de dar voz ao agora. Eu me recorri a elas que estavam lá atrás, para expressar algo que estava aqui, no agora, e para fazer isso do jeito que eu quero fazer no agora. É sempre um cruzamento de passado, presente e futuro.

É uma doidera pensar nesse tempo, que matematicamente a gente consegue contar, mas assusta como tem coisas que continuam tão atuais…

É muito bom ter as músicas da ditadura, por exemplo, porque foi uma época que ferveu na canção brasileira…. É muito massa ouvir suas composições e entender essas letras, mas ao mesmo tempo é muito triste eu cantá-las hoje em dia e saber que elas também estão falando do que eu tô vivendo hoje, sabe? Então é isso: às vezes é bom, outras nem tanto.


Agora sim, falemos do nome do álbum. Queria saber qual o significado da palavra recanto para você.

Foi uma labuta até chegar nesse nome. Quem escolheu junto comigo foi o Hilreli e Maria Vasques que assinam também as capas dos singles e do disco. Foi um processo muito louco, porque como o mote do repertório e do projeto do um todo, vem de coisa muito pessoal, no sentido de juntar minhas referências, de juntar meus amigos que tocam comigo… Vem de um lugar muito íntimo, mas ao mesmo tempo, é um disco. Tem uma mistura muito grande de sentimentos nesse projeto e acho que foi por isso que foi tão difícil chegar nesse nome. A gente chegou nele por acaso… Quando a gente voltava a conversar, voltávamos ao “por que eu fiz isso?” - a gente voltava com essa conversa sobre o que eu tava fazendo conceitualmente para entender onde seria o ponto desse nome. Aí “Recanto” surgiu em uma dessas conversas e me faz um sentido muito grande, porque tem o recanto do meu recanto, no sentido do meu íntimo, no sentido dessa coisa quase caseira que foi a forma de escolher e de como escolher esse repertório, como escolher essas pessoas. E ao mesmo tempo o recanto de recantar, essa escolha de trazer esse passado. Foi o único [nome] que bateu e que foi unânime.


Agora que “Recanto” foi mostrado ao público, como você se sente?

É uma mistura de sentimentos… É muito doido, sabe? Mas é muito bom porque tenho a sensação de ter finalizado um trabalho - e acho que trabalho só se finaliza realmente quando as pessoas escutam. Por mais que seja um disco, para mim é uma arte essencialmente coletiva e se eu tivesse feito para guardar na minha gaveta, não precisava fazer, sabe? Se chegar nessas pessoas, pra mim, é um fechamento de ciclo e uma abertura de outro ciclo muito marcante.


Além das 11 regravações, tem uma música inédita. Queria saber um pouquinho mais dela, além de te perguntar se existe uma narrativa na escolha da ordem das músicas.

“Passageira” é uma música que eu amo! Nessa de juntar referências… “Passageira” é uma composição do Pablo Bertola e Lido Loschi que hoje são dois amigos queridos, companheiros de trabalho e que também são do Ponto de Partida. Eu sou de Barbacena e o Ponto de Partida também, então, eu cresci vendo e ouvindo Ponto de Partida… É um peso grande na minha bagagem essa escola de arte que é o Ponto de Partida. Quando eu comecei a pensar no disco, Pablo me falou que tava com essa [música] na gaveta e que achava muito a minha cara e falou: “se você quiser, tá na mão”. Vindo desse conceito de juntar bagagens, eu falei: “quero, quero muito!”. Enfim, acho que é um registro muito bonito dessa influência do Ponto de Partida em mim. Internamente tem uma função bonita pra mim.

Com o repertório não foi pensado a partir das letras das músicas, não tem uma narrativa, não tem uma história naquelas músicas. A construção da ordem foi pensada musicalmente - o desenho foi pensado musicalmente no que na história.


Antes de finalizar a nossa conversa, Ciro comenta: "O disco é um retrato do que tenho e do que sou". Nessas 12 canções, conhecemos um jovem mineiro que tem sede por arte e que a transforma em resistência. As cortinas se fecham. A conversa acabou, mas os aplausos para Belluci só começaram. Ele vai longe.



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