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Foto do escritorMichele Costa

Desalinhando Lou Reed: do lunático ao artista centrado

Na adolescência, Lou Reed fez com que seus pais conservadores acreditassem que ele seria um roqueiro e homossexual, assustando a família judia de classe média que sonhava que o primogênito fosse alguém grande na vida. Vivendo como se não houvesse amanhã e sem se importar com o que diziam dele, Lewis Allan Reed chocava todos ao passar pelas ruas americanas. Aos 17 anos, os pais o mandaram em um psiquiatra para "curar sentimentos homossexuais e a alarmante instabilidade emocional do rapaz" - assim que saí do consultório, recebe o tratamento: eletrochoques.


Estudos indicam que a terapia de choque pode ajudar mais de 80% dos casos, mas é preciso que o médico tenha cuidado ao "receitar" os choques, já que o tratamento deixa os pacientes mudos, apáticos e oscilantes após a "sessão". No entanto, na época em que Reed era um adolescente, essa "técnica" era usada para qualquer caso, principalmente quando o indivíduo tinha "sintomas homossexuais" - a famosa "cura gay" ainda debatida nos dias de hoje. Inclusive, na década de 1940, a terapia de choques era tão normal que era feita nos ambulatórios, na frente dos outros pacientes. Não era só por lá, outros países, como no Brasil, também seguiam a "estratégia" de que os choques e remédios curavam a sexualidade do outro.


Em "Transformer: A História Completa de Lou Reed" (Editora Aleph, 2016), o escritor Victor Bockris escreve sobre os danos que os eletrochoques causaram no cantor: "(...) De acordo com Lou, os tratamentos de choque ajudaram a erradicar qualquer sentimento de compaixão que ele pudesse ter, dando lugar a postura fragmentada". O tratamento alterou os padrões de seu sistema nervoso central, que Lou estava acostumado a viver. Além disso, a relação conturbada com os pais só pioraram com o passar do tempo. Ele os manipulava, testava a paciência e adorava fazer jogos com eles - e foi assim por muito tempo. O comportamento que começou a ser construído na adolescência deu continuidade quando entrou na faculdade.


Estudando música, filosofia e literatura, Reed se apresentava como um "poeta torturado, introspectivo e romântico". Cabeludo, seguindo a filosofia de Kierkegaard, o estudante continuava seguindo seus padrões, diferentes da sociedade, dos seus colegas de sala. É importante relembrar que nesse período, ele dizia que tinha 8 personalidades e usou todas para a construção de Lou Reed, o músico rebelde e contraditório que o público conheceu em Velvet Underground.


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Amigos e conhecidos diziam que ele era um homossexual homofóbico reprimido. Não podemos afirmar, mesmo que muitos poemas e vivências também apontem para isso. Porém, não precisamos ir longe para chegar à conclusão de que Lou Reed conseguia manipular as pessoas, era agressivo com mulheres e queria ter os holofotes para si - mesmo sendo tímido (aquela ideia de "eu sou o melhor, olhem pra mim, mas não tanto"). Mesmo com os diversos defeitos, Lou era um gênio! Escrevia, ouvia e analisava os excluídos. Reed criou músicas que retratavam os "perdidos" da sociedade, ou seja, prostitutas, desajustados, junkies e depressivos. Não existia tabu para ele. O mundo que criou em sua cabeça, também retrata(va) (passado-presente) o mundo real.



Após o fim do Velvet Underground, Lou continuou com essa persona que criou: adorado pelo público, mas cruel com quem estava ao seu redor. Ele precisava machucar alguém para estar bem, ou seja, por cima. Essa criação durou (ou deu uma maneirada?) até conhecer a artista multimídia Laurie Anderson.


"O Velvet Underground, de forma muito consciente, tentou colocar temas comuns a filmes, peças e romances sob o formato da música pop. Achei que estivéssemos fazendo algo ambicioso e fiquei surpreso que as pessoas se ofenderam acreditando que eu estava levando os jovens a se tornarem viciados em drogas. Eu ouvia as pessoas dizendo que estávamos fazendo rock pornográfico. O que aconteceu com a liberdade de expressão? Lembro-me de ler descrições sobre a banda como o “ventre fétido da existência urbana”. Tudo que eu queria era escrever canções com as quais alguém como eu pudesse se identificar. Por que não ter algo à parte para a molecada no fundo da sala? No pior dos casos, éramos como os realistas. No melhor dos casos, apenas acertamos um pouco mais do que algumas coisas."

Lou e Laurie se conheceram em um festival de arte em Munique. Lou convidou Laurie para cantar "A Dream", do álbum "Songs For Drella" (1990). Ele ficou encantado com a interpretação da artista: "Eu fiquei boquiaberto quando ela cantou o ritmo exatamente como eu faria, com as pautas corretas." Descobriram que eram almas gêmeas pouco tempo depois e que o mundo de Laurie deixaria Lou mais calmo, centrado. Ainda em "Transformer: A História Completa de Lou Reed", o capítulo "A Transformação de Lou e Laurie" relata muito bem essa questão: "(...) Quando Lou conheceu Laurie e seu mundo, foi como a Fábrica Mundial Budista por lá. Foi uma viagem espiritual. Ela é uma pessoa muito espiritual, e o envolveu nesse envelope. Não era como se ela o estivesse guiando; só que ele a adorava, e de repente estavam nesse novo mundo juntos". Tornaram-se um.


Bockris escreve no capítulo mencionado anteriormente: "(...) Todo o tema e impulso dessa seção final da vida de Lou é uma celebração de até onde Lou e Laurie se tornaram um, ao fazer todas as suas obras serem a respeito um do outro, de alguma maneira. Os primeiros sinais que vemos desse desenrolar fenomenal, que levou ambos a se tornarem artistas muito maiores do que eram quando se conheceram, está no formato de conversa, de pergunta e resposta de seus discos paralelos. Minhas tentativas de mostrar ao leitor a essência dessas trocas são apenas isto, tentativas."


Na revista Rolling Stone brasileira, edição 87 de 2013, a companheira escreveu sobre o companheirismo e como o amor à primeira vista acabou em um casamento no quintal de um amigo, mostrando que Lou podia amar e que a pose selvagem de antes estava ficando no passado:


"(...) Era primavera de 2008 quando eu estava caminhando por uma rua da Califórnia, sentindo pena de mim mesma e falando ao celular com Lou. "Tem tantas coisas que eu nunca fiz e queria fazer", eu disse.

"Com o quê?"

"Eu nunca aprendi alemão, nunca estudei física, nunca me casei."

"Por que nós não nos casamos?", ele perguntou. "A gente se encontra no meio do caminho. Eu vou até o Colorado. Que tal amanhã?"

"Hum… Você não acha que amanhã é cedo demais?"

"Não, não acho."


Além de discos e projetos, a união entre Lou e Laurie continuam até hoje, mesmo depois da morte do cantor. No filme "Coração de Cachorro” (2015), Laurie usa sua cadela Lolabelle como personagem principal para fazer reflexões sobre a vida. Aqui, descobrimos que é possível estar triste sem estar realmente triste, pois a vida é um ciclo e precisamos aceitar a perda do outro. O filme retrata a vida de Anderson após a morte de Reed, em 2013, seu companheiro por longos anos.


(Crédito: Guido Harari/Contrasto/Redux)


Lou se foi e mesmo com as diversas personas que criou e as crueldades que expôs aos amigos, familiares e desconhecidos, fica de lado quando lembramos que ele mudou uma geração ao dar voz aos excluídos. Após sua morte, Bono Vox disse: "Nova York era para Lou Reed o que Dublin foi para James Joyce, o universo completo da escrita dele".


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