"Ilegal: A Vida Não Espera" (2014) e "Radical: A Controversa Saga de Dadá Figueiredo" (2013) são os documentários mais conhecidos de Raphael Erichsen. Cineasta documentarista, roteirista e autor brasileiro, Erichsen também dirigiu a série Rally Mongol (2017) para o Multishow, esporte conhecido como "a aventura mais estúpida da terra". Dessa aventura surgiu o livro "Tudo Errado" (Editora Impossível, 2017). São 15 anos de experiência e uma bagagem recheada de conhecimentos.
Rapha, como prefere ser chamado, aborda assuntos/pautas que precisamos discutir em uma sociedade, como é o caso do uso da maconha para fins medicinais que ajudam a aliviar dores crônicas, que está em "Ilegal". E não é só isso: ele quer que mais e mais pessoas entrem no mundo audiovisual, ou seja, assistindo, celebrando e ocupando espaços de uma profissão/área que não é bem vista pelos conservadores fascistas (o desmonte da cultura que Bolsonaro está fazendo, desde o início de seu mandado, é um dos exemplos). Por isso, o diretor lançou o Documentar, no meio da pandemia. O canal traz conhecimentos e dicas para quem produz, assiste, estuda ou tem curiosidade em saber mais dessa área. Aprender e encontrar refúgio na arte.
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Como diria Maurílio dos Anjos, do Choque de Cultura, Rapha é um amante da sétima arte. Seu interesse nesse mundo surgiu na infância, o diretor começou a gravar aos oito anos de idade, quando ainda era pequeno: "Sempre filmei muito, mas nunca tinha pensado em fazer filmes até que quando eu tinha uns 20 e poucos anos, trabalhava na redação da Superinteressante, e resolvi largar tudo e me dedicar a estudar e fazer documentários", ele explica. Para ele, "documentar é uma coisa que eu gosto de fazer e não uma profissão", complementa.
Seu canal Documentar aborda diversos assuntos. Como a ideia surgiu?
Há muito tempo eu penso em construir um canal dedicado a documentários, mas confesso que bem diferente do que o canal tem se tornado. Sempre pensei num canal como uma plataforma para lançar filmes, discutir o gênero… E essa ideia sempre ficou na minha cabeça. Aí veio a pandemia e rapidamente eu entendi que iria ficar um bom tempo sem sair pra filmar e aí, comecei o Documentar.
Na impossibilidade de sair para filmar, comecei a falar sobre o que eu sei e o que eu gosto e acho que deu certo. A audiência começou a crescer e, de certa forma, isso virou um formato dentro do canal. Comecei a falar de história do documentário, formas de se fazer, abordagens e acho que as pessoas gostaram. Mas de qualquer maneira, vejo o Documentar como uma plataforma e estou com vários filmes de outros cineastas engatilhados para lançar no canal. Quero que o Documentar seja um espaço amplo, pra todo mundo, para fomentar essa cultura em torno da não-ficção.
Em "Rapha Reage", um dos quadros do seu canal, você analisa obras recém-lançadas. Quais foram as obras, realizadas neste ano, que você assistiu e que te impactaram?
Esse quadro é uma vontade de fazer uma coisa mais imediata, uma reação direta ao que está acontecendo. O último lançamento do Netflix ou alguma coisa que eu vejo que nem é um documentário, mas que eu consiga ter um ponto de vista interessante. Esse ano, os festivais e mostras migraram para o online o que permitiu ampliar muito a quantidade de docs para se assistir.
Só no Brasil, tiveram duas edições do É Tudo Verdade, In-edit, mais de 50 documentários na Mostra SP… Acho importante as pessoas saírem da mesmice do Netflix e buscar outras fontes - e os festivais possibilitam isso. Esta semana na Mostra, eu assisti o filme novo do Frederick Wiseman, "City Hall", que é um documentário de mais 4 horas. Não sei como seria essa experiência dentro de uma sala de cinema.
Em "Documentar Apresenta", você realiza estreias. Como acontece a seleção do que estará em seu canal?
Basicamente vem de pessoas que me procuram ou que eu vou atrás. Essa é a parte que eu mais quero desenvolver no canal e já estamos com bastante coisa engatilhada. A seleção é uma curadoria mesmo, o meu "feeling" de entender o que cabe no canal ou não. Queria conseguir lançar pelo menos um filme por mês e estou atrás de curtas metragens. Acho que estamos num ótimo momento para curtas! Existem vários canais se dedicando a isso e estou bem interessado em ter um bom cardápio de filmes nessa sessão - principalmente de filmes que chegam ainda em um estágio em que eu possa ajudar criativamente, como um comission editor, e isso já está acontecendo.
Durante o isolamento social, diversas pessoas realizaram documentários e curtas sobre viver durante a pandemia. Como você vê esse quadro, fazer "vídeos caseiros", hoje em dia? Você acha que esse modelo vai alterar alguma forma da criação em fazer cinema?
Acho que sim. Acho que esse movimento pode gerar uma onda de filmes mais artesanais, mais caseiros. Tenho visto muita coisa interessante. E passa por aquilo que estávamos falando sobre financiamento; nunca foi tão acessível fazer filmes, então, talvez, não faça mais sentido você ter uma ideia e ficar esperando um financiamento para poder executá-la. Eu queria muito incentivar as pessoas a apostarem em filmes artesanais, caseiros. Eu mesmo estou produzindo uns.
A pandemia alterou a sua visão sobre o mundo, principalmente sobre o seu trabalho?
Algumas coisas na forma de trabalhar vão mudar, com certeza. Eu faço essa série de entrevistas no canal que eu sempre quis fazer e antes pensava em ter um estúdio, uma estrutura… Agora faço com pessoas que podem estar em qualquer lugar a um clique. Isso já mudou a forma de se fazer as coisas.
Seu canal também questiona o gênero do documentário, indo mais além, sobre a suposta busca pela verdade que os documentários tentam alcançar. Através deste recorte, Rapha traz questionamentos em dois quadros, "É tudo verdade" e "É tudo mentira", usando exemplos de filmes famosos. O conteúdo é totalmente didático (e se houver alguma dúvida, não hesite, entre em contato com o diretor para tirar suas inquietações). Inclusive, para melhorar o debate sobre arte, Rapha conversa com outros diretores, deixando o diálogo mais rico.
Nesses 15 anos de experiência, o significado de trabalhar com a arte mudou para você?
Acabei descobrindo que a sétima arte tem muito mais de indústria do que de arte em si. A arte é o que fica, é o resultado mas o trabalho é duro e cansativo. Cada ideia, cada filme que se faz é uma montanha enorme que você tem que subir, então, hoje em dia acho que não tenho mais esse ponto de vista romântico de artista. Pra mim é muito mais acordar toda segunda-feira e ter a disciplina para conseguir movimentar as ideias.
Quais são os obstáculos em fazer documentários no Brasil?
O maior obstáculo não só no Brasil como no mundo é o financiamento. No Brasil não é pior nem melhor. E por aqui passamos por fases. A questão é que fazer documentário é você estar sempre pedindo para os outros para acreditar nas suas ideias. Cinema é uma arte coletiva, não se faz sozinho na maioria das vezes, então tudo começa com financiamento e essa é a parte mais difícil. Especialmente agora estamos passando por um momento muito delicado e estamos assistindo a uma fase de transição nas formas de financiamento do audiovisual brasileiro – o que exige ainda mais calma e paciência e gera maior dificuldade para financiar projetos novos.
Anna Muylaert disse em seu curso "Roteiro Cinematográfico" que uma boa história é aquela que, de preferência, diga algo que nunca foi dito. Para você, o ineditismo é algo necessário?
Acho que o que ela quer dizer é que uma boa história é aquele que não foi dita daquela forma e sempre existe uma abordagem nova para a mesma história. Eu acho que sempre existe novas maneiras de se contar a mesma história. Acho que o segredo é você encontrar a sua visão para aquela obra. O que só você pode dizer sobre aquilo. Então é menos sobre ineditismo e mais sobre ponto de vista na minha opinião.
Para você, como será o futuro do cinema brasileiro?
Como será eu não sei, mas esse futuro está se moldando agora. É como se a gente tivesse reescrevendo as regras do jogo. As formas de financiamento do cinema brasileiro como foram feitas nas últimas décadas estão em cheque e vamos precisar criar novos modelos para conseguir fazer filmes.
Você conta com alguns documentários e séries no currículo. Agora tem o canal Documentar no Youtube. Quais são os planos para o futuro?
O meu trabalho, desenvolvendo e fazendo filmes continua igual e é a isso que eu me dedico a maior parte do meu tempo. Estou no meio do processo de começar a filmar meu próximo longa e com outros projetos em andamento. A diferença é que agora tenho mais um filho para criar que é o Documentar. Tem que alimentar ele, cuidar, pensar no futuro. Mas no momento é fazer ele crescer e conseguir transformar num ponto de encontro entre pessoas interessadas no universo dos documentários.
O Documentar tem muito à dizer, assim como Rapha e tantos outros diretores. Para ficar dentro da área e receber indicações, inscreva-se no canal.
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