No passado, as constelações foram usadas por navegantes para se guiaram no mar. Hoje, é a bússola que auxilia na travessia, no entanto, existem pessoas - e bandas - que precisam do esoterismo para seguir o caminho e completar o trajeto, como é o caso da Fantástico Caramelo.
Formada por Nayara Lamego, Henrique Marquez, Gabriel Alves, Diego Pereira e Marcelo Sutil, a banda está em atividade desde de 2020. O primeiro sinal surgiu com Nayara e Henrique, amigos de trabalho: apaixonados por músicas, perceberam a afinidade logo de início e, assim, músicas foram surgindo. A primeira estrela surgiu com a chegada dos outros integrantes. Olhando para o céu - mas com os pés fincados em terra firme -, a Fantástico Caramelo aproveitou a pandemia para levar seu pop eletrizante para colorir os dias de outras pessoas. Assim, a banda acabou caindo no gosto do público, colocando-os em destaque entre os nomes do cenário musical alternativo brasileiro.
No ano seguinte, compartilharam seu álbum de estreia, Em Quatro Três Dois, que traz uma sonoridade dançante. Já tocaram com Sophia Chablau e Jovem Dionísio (antes do estouro de "Acorda Pedrinho"). Para este ano, a Fantástico Caramelo lançará Nas Colinas Astrais, novo álbum que contará com oito faixas. Existem ondas intensas e fortes, mas eles não desistem, a dedicação é muito maior: "O sonho do Henrique é estourar uma música. Pra mim é ver uma multidão cantando nossas músicas, seria o auge", diz Nayara quando pergunto sobre o futuro.
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Vocês surgiram em 2020, em plena pandemia. Como é ser uma banda pandêmica?
Cara, vou te dizer que foi bom pra gente, foi um período que tava tudo um caos, mas foi ali que a gente teve tempo pra ensaiar, pra criar e pra arredondar as músicas. [A banda surgiu quando] eu e o Henrique [guitarrista e compositor] começamos a trabalhar juntos numa produtora audiovisual, que é dele, e aqui no estúdio sempre teve um violão aqui né, e nos intervalos do trabalho, o Henrique pegava o violão e brincava com ele e tal. E como a gente vem de vários trabalhos musicais - a banda toda praticamente -, a gente sempre teve essa veia da música, né. Então, naquele momento, eu já tinha nas minhas notas algumas letras e tal, só que nunca levava pra frente… Era meio "preciso desabafar, vou escrever aqui" e esquecia, ficava lá. Até que surgiu a música "Pura Conexão", que eu tive uma conversa com um amigo meu e eu pedi esse conselho - ele me deixou falando por quase uma hora - e daí, simplesmente, ele olhou pra mim e falou: "Nay, siga sua intuição". E aquilo ficou na minha cabeça e foi isso: seguiré mi intuición [primeira frase da música "Pura Conexão"], que no começo era totalmente em português, só que na primeira gravação que a gente fez no celular, eu pensei: "por que não botar em espanhol?" Por que veio essa coisa do espanhol? Porque eu fiz um mochilão pela América Latina, tenho essa coisa de querer viajar, desbravar o mundo, e eu tinha recém-chegado e eu tava muito na vibe do espanhol, sabe? Aí eu pensei em colocar ali só pra ver como ficaria… Aí a gente começou a cantar a música e aí foi surgindo. Na primeira gravação, ela saiu impressionante, sabe? Na primeira versão ela já tinha uma forma e o Henrique trouxe o riff que já existia de uma música antiga dele, os pedaços da antiga letra dele que se misturaram com as minhas e aí quando a gente desligou o gravador, a gente se olhou e pensou "isso ficou muito bom" e antes disso, a gente tinha feito outras músicas. A gente tinha feito duas músicas, só que não tinha nada relevante [risos]. "Pura Conexão" veio como um presente, sabe? Ela já nasceu quase pronta. Claro, naquele momento a gente pensou: "acho que isso aqui tem potencial para muito mais", porque, a princípio, seria um duo, a gente não tinha muitos planos na real, porque tava bem no começo… Depois disso, a gente começou a fazer muitas composições, trazendo letras do Henrique, reformulando, trazendo coisa nova, ajustando e muitas coisas que nasceram novas. Aí, a gente pensou: "vamos chamar os meninos pra fazer parte da banda" e foi isso que aconteceu. A gente começou a pesquisar quais eram os músicos mais fodas pra montar um super grupo, né, quase um Power Ranger [risos]. Aí a gente chegou no Gabriel Alves, Diego Pereira e no baterista Marcelo Sutil. Quando a gente chamou eles, a gente já tinha umas dez músicas e a banda é uma mistura de várias influências: o reggae bem forte na base, o Marcelo com o indie na bateria, o synth do Gabriel que é mágico, a simplicidade do Henrique na composição e na guitarra… Aí ficou essa coisa aí bem bacana.
Como foi sair da divulgação online para o presencial?
Então, a gente participou de algumas lives, o Live in Rio, na pandemia, e a gente nunca tinha tocado, então, nunca foi uma realidade pra gente. E ainda não tava rolando shows naquela época, foi quase no final da pandemia que a gente começou… Aí teve uma oportunidade que a gente viu que foi um concurso de música na nossa cidade. Nesse concurso, a gente tinha recém lançado "Pura Conexão", e foi a primeira vez que a gente pisou no palco foi para um concurso. A gente nunca tinha pisado em um palco juntos, era só no ensaio e tal. A primeira vez que a gente foi para o palco e com galera foi nesse festival, que é o Festival da Canção Entre Rios. Pra nossa bela surpresa, ficamos em primeiro lugar e foi muito massa, foi muito… Sei lá, a gente não esperava tanto, sabe? Foi um choque, sabe? Foi muito massa! [Henrique diz algo para Nayara, de trás da câmera do computador] É, o primeiro show foi uma música [risos]. A gente apresentou uma música e foi embora [risos]. Como premiação, a gente conseguiu gravar uma música em estúdio, só que a gente acabou não gravando nesse estúdio que a gente ganhou, a gente, na verdade, produziu uma música lá que é a "Melhor Assim", que vai tá no segundo álbum. Tudo está interligado, né? Até hoje a gente não tem tocado muito, a gente veio dessa pira da pandemia, e a nossa ideia é fortalecer o digital, né? Tem pessoas ouvindo a gente na internet, não só pensando em números e tal, mas pensar em como a gente pode chegar nas pessoas, porque… A galera que tá no Nordeste… A gente tá no Sul, como é que vai chegar lá, sabe?! Existe um caminho muito longo e é através da internet e é por isso que a gente tá nessa pira de fortalecer na internet, tanto que a questão do segundo álbum, a gente tá fazendo um lançamento por mês, pra dar aquela fortalecida e criar esse público que a gente ainda não tem.
Ao ganhar a premiação, foi o gás necessário para continuar?
Eu acho que sim. Uma coisa é você achar o teu som legal, mas outra coisa é a galera aplaudir, ver pessoas reais, não é mais a tela do computador ou do celular aplaudindo e além disso, pessoas que foram juradas, né. Pessoas super profissionais da área da música… A gente meio que teve o aval, só que além disso, a gente sempre acreditou e acho que essa é a parte mais importante. E ali foi sim o pontapé de "realmente a gente não tá doido" [risos]. Depois disso a gente lançou vários clipes, fizemos mais lives, lançamos vinil, CD e cassete do primeiro álbum por conta de premiações de incentivo à cultura, o que foi muito importante pra gente! Tudo é muito caro. Quando é que custa ir para um estúdio gravar oito músicas? Gente, é muita grana! Como que vai levar todo mundo pra Curitiba pra gravar? Então, a gente só conseguiu fazer vinil, CD, cassete e clipe com a nossa teimosia - a gente se estressou muito pra passar e muita persistência… Tipo, nos primeiros [editais] que a gente fez, a gente não passou, mas depois do segundo, a gente tem aprovado vários… Por conta disso é que a Fantástica Caramelo tem sobrevivido. A gente entra em outro assunto que é fazer o show: a gente adora tocar, já tocamos em vários lugares legais, mas teve alguns que a gente teve que pagar pra tocar, entende? E a Fantástica Caramelo é uma banda que, querendo ou não, é mais cara, envolve o look que a gente tem que fazer, a maquiagem - que tem que ser com um profissional, que é com o Gustavo Gutz -, tem o técnico de som que a gente se preocupa demais em levar um som de qualidade pra galera, tem alimentação, o lugar pra galera dormir… É toda uma programação que a gente tem que pensar ainda. Então, muitas vezes - abrindo o coração aqui - a gente se sente meio sobrecarregado porque além de ser o artista, você tem que pensar em toda estrutura: em ser o produtor executivo da coisa e organizar a parada.
O que me chamou atenção é a rapidez da banda: vocês aparecem na pandemia, no ano seguinte lançam o primeiro álbum, acontecem apresentações e clipes… É tudo muito rápido!
Sabe qual é a questão? É que hoje na banda, apesar de serem cinco pessoas, são duas cabeças que meio que determinam as coisas. Se todo mundo mandasse e decidisse, acho que não ia para lugar nenhum, essa que é a sinceridade. Eu e o Henrique que tomamos a frente. A gente discorda em várias coisas, mas a gente vai alinhando, então, a gente faz reunião toda semana. Quando a gente trabalhava juntos, a gente respirava 24 horas Caramelo, agora que não trabalhamos mais juntos, fazemos reuniões toda semana. Somos da área da comunicação e toda a área de clipe é a gente que faz… Edição, contratar as pessoas, decidir o roteiro… É do it yourself [risos].
Achei interessante que quando eu tava pesquisando sobre vocês, vários veículos de música, já chamavam vocês de "uma banda consolidada". Como vocês se sentem? Imagino que seja forte e tem uma pressão do “não posso decepcionar as pessoas”...
[risos] Quem chamou a gente pra tocar na Maratona Cultural de Florianópolis foi o Tony [criador do site Tenho Mais Discos que Amigos!], a gente nem conhecia ele. Jogaram nosso nome lá e a gente caiu de paraquedas no palco Tenho Mais Disco que Amigos, então, já foi um presentaço! E foi ali que começou isso: a gente apareceu no site deles e embarcamos nisso. Ele viu que a gente tava gravando lá no Nico's Studio e já mandou mensagem pra gente. No meio do caminho, ele falou que a gente precisava de um feat, mas tava tudo gravado, como que a gente vai fazer? E aí surgiu Brvnks, que já tinha umas parcerias com ele… Resumindo a história: Brvnks gravou com a gente! Em uma das faixas [do novo álbum] vai ter participação dela, que veio através do Tony. Então, o Tony é principal nessa jogada, sabe? Ele tem ajudado muito a gente, colocando a gente em playlists.. E acho que ele acredita na Fantástico Caramelo, assim como a gente. Eu não consigo digerir a maioria das coisas que aconteceram, sabe? As coisas estão acontecendo e eu tô "ah, legal" [risos].
O processo de criação é entre você e Henrique, uma dupla. Como funciona?
É muito mais fácil. Quando a gente trabalhava juntos, tínhamos mais tempo, tanto que a gente fez as composições de três ou quatro álbuns - tem muita música! Claro que não são músicas que estão finalizadas, tem fragmentos… O Henrique tem o TDAH dele, de pegar o violão e começar a viajar e eu querendo trabalhar… Às vezes eu ficava brava porque ele tinha coisa pra me entregar e ele tava lá com o violão… Aí parava tudo para compor. Tem até uma história legal: a gente tava fazendo, tava produzindo vídeos para uma oficina portuguesa de literatura, a gente filmou e quando tava decupando, nessa aula em específico, a mulher falava sobre crônicas e ela falou: "o desafio dessa aula é você fazer uma crônica". Quando chegamos no estúdio e começamos a decupar esses vídeos, eu falei: "vamos fazer uma crônica agora com tudo que tá acontecendo aqui". [No dia] era super quente, o estúdio é todo branco, tava super abafado e aí a gente começou a escrever tudo que tava rolando: o sol tava entrando, batendo no meu pé, meu pé tava quente, o sol estava esquentando mais e aí a gente começou a descrever essa coisa da crônica né, que você romantiza as coisas. A partir dessa pira nasceu "Acreditar", que é uma das músicas do nosso primeiro álbum. As composições nascem muito natural, sabe? A gente fez muitas músicas assim: ver uma situação e aquilo fica na cabeça.
Falando em música, achei muito boa "Na Tua Imaginação" que inclusive você questiona: "Quem está com você agora?" Pergunto: Quem é que tá com você e com a banda quando vocês pensam no futuro?
Nossa, pergunta difícil, hein. [breve silêncio] Eu não sei em quem a gente pensa - eu nem lembro muito bem como essa música surgiu [risos].
Henrique: Essa música é da Câmara de Vereadores [sua voz fica longe ao começar explicar a história].
Nayara: O legal é isso, a música "Na Tua Imaginação" surgiu quando a gente fazia lives para a prefeitura, por isso o declino ["Eu declino / Declino / Psicodelicamente / Numa radiofusão"]. Eu falei para o Henrique: "duvido tu fazer uma música com [a palavra] declino" e no dia seguinte ele veio com uma. O "quem está com você agora" é uma parte aleatória, que eu acho que veio da cabeça e na hora. Enfim, mídia especializada, que não come verdura, não fala mal de ninguém, coisa da cabeça do Henrique - até hoje eu tô pra entender essa daí também [risos]. Mas o refrão é mais romântico, é super aleatório a música, mas chega até "quem está com você agora"... Pode ser, pensando aqui, quem está com a pessoa que você gosta ou a pessoa que você gosta está pensando em você agora…
A Fantástico traz assuntos pertinentes, mas de algum modo, eles ficam leves. Como é brincar com isso?
Então, é uma mistura bem doida. Por exemplo, nessa terceira faixa… Na verdade, até em "Goteira de Amor", a gente fala de amores rasos, que é uma letra até melancólica, meio pra baixo, meio triste… Isso surge muito dos ensaios, porque os meninos não estão prestando muita atenção na letra quando eles estão tocando, tá ligado? E ali eles querem pirar e aí acaba surgindo essa mistura: cada um faz o que vem na cabeça na hora e acaba não pensando muito. Às vezes, a gente leva algumas referências… Eu acho que não é proposital essa questão, desde o começo foi assim, a gente nunca sabe… Por exemplo, a gente faz voz e violão e é uma coisa. Quando a gente leva pra banda eles começam a tocar junto, já vira outra coisa e isso é a magia da Fantástico Caramelo [Henrique diz algo]. É, o Pitucho é o nosso maestro. Pitucho é o Gabriel Alves e ele acabou sendo nosso maestro. Desde o começo, ele dá uma delegada na galera, mas é bem livre. Eu acho que se a gente colocasse muita regra, não teria o som de hoje.
Vocês também brincam com outros idiomas, né. "Goteira de Amor" é um single poliglota, por exemplo. Como você se sente cantando em três idiomas?
É muita piração, né. Eu sempre gostei muito de espanhol, então, por conta dessa influência do mochilão, sabe? Hoje não sou mais fluente porque não estou praticando, mas a gente sempre teve essa pira de expandir - e essa foi a questão: vamos pensando em umas músicas pra gente expandir, fazer essa mistura e ir para outros países também, né. Teve músicas que a gente coloca no tradutor pra ver como fica - tem várias músicas em português que a gente coloca no google tradutor pra ver como fica - essa coisa meio duvidosa -, mas às vezes dá certo. "Goteira de Amor" foi um desses lances: a gente colocou no google tradutor e ele acabou traduzindo outras coisas, que eu joguei em português para espanhol e depois espanhol para português e já mudou. Por exemplo: a parte da vegetação não existia, quando a gente começou a fazer a música, o google que traduziu, gostamos e colocamos. Tem a parte "like weed" que é erva daninha, mas algumas pessoas vão achar que é maconha; quando traduziu no google tradutor era erva daninha, não sei porque ficou weed e ficou, foi essa pira. Ela acabou indo pra uma vibe mais oitentista, é um eletrônico mais orgânico, a gente não fez nada no computador e foi um experimento.
O que podemos esperar de Nas Colinas Astrais?
Cada música de Nas Colinas Astrais tem uma pegada diferente, mas lá no final do álbum, a gente vai conseguir entender que cada uma tem uma identidade Fantástico Caramelo, entende? A gente vai trazer outros idiomas, os três ali [presentes em "Goteira de Amor"], a gente vai brincar com um rock mais psicodélico também, que a gente trouxe um pouco em "Alquimia". A próxima canção [que será lançada] é "Melhor Assim" e pra mim é uma das melhores canções do álbum e acho que é mais a nossa cara - a gente conseguiu fazer uma música super simples, pouquíssima letra e virar uma coisa deste tipo! Cada música do álbum vai ser diferente da outra e que no final elas vão se conversar, né. Eu acho que esse álbum vai numa pegada mais mística, mais esotérica, a gente vai brincar muito com esse tema, sabe?
Henrique: Tem as músicas que são mais surf music…
Nayara: É, vai entrar isso, meio faroeste… A gente vai tá testando várias coisas, trazendo muito do synth - é isso que vocês podem esperar: muito sintetizador! Uns riffs simples que ficam na cabeça, solos top demais, batera moderna e muitas vozes.
A porta que aparece no clipe "Sempre Quis" foi aberta e nunca mais será fechada. A constelação foi feita e o mapa da Fantástica Caramelo indica um caminho com vasta conexão com o público (que já possui e que terá no futuro). Agora, cabe a nós, ouvintes, se jogar na pista e dançar com a banda.
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