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Foto do escritorMichele Costa

Gal Costa, eterna fatal

A última quarta-feira foi triste: Gal Costa partiu, de repente, pegando todo mundo na surpresa. Uma notícia que ninguém esperava. Para mim, algumas pessoas são imortais - e Gal era uma delas, junto de Caetano, Gil, Patti Smith, Bruce Springsteen, Tom Zé, Laura Cardoso, Fernanda Montenegro, Lima Duarte, Pepeu e minha avó. Moraes Moreira e Luiz Galvão também faziam parte desse grupo, mas partiram recentemente. Talvez a perda nos choque por conta do significado que essas pessoas representam para nós. Gal, pra mim, era (como é difícil escrever no passado!) uma fatal, ou seja, não envelhecia, era a frente do seu tempo, selvagem, poética, carinhosa e transbordava vida. Ser fatal é ser Gal.


Repito constantemente seu nome neste texto porque ela não pode ser esquecida (e nem será), mas também porque tenho uma dívida com ela: suas músicas, que me embalaram e me emocionaram, fazem parte da minha vida, se sou o que sou é por conta de fatal. Sua voz, a libertação feminina, os volumosos cabelos, o batom vermelho e a necessidade de dialogar com diferentes gerações me inspiraram (como pessoa e para criar este site).


Ouvi muitas canções de Gal na infância, das trilhas de novela ao delicioso "Fantasia", seu décimo e quinto álbum, um dos meus preferidos. Sempre gostei da dançante Gal, dos anos 80, uma época que gostaria de ter vivido pelo frisson (palavra que está na deliciosa "Sublime", do seu último disco "A Pele do Futuro" (2018)) e o neon. Gal e Jovem Guarda aliviaram as longas internações que passei por conta da asma. Aliás, tenho uma história engraçada: aos 10 anos, tive a terceira pneumonia que me deixou internada três semanas em hospitais públicos. Quando passava por quartos compartilhados com outras crianças e UTIs, tentava cantar "Festa do Interior", "Canta Brasil" e "Meu Bem, Meu Mal", queria que essas canções tivessem o mesmo ritmo da minha respiração cortada. Foi o meio que encontrei para suportar minha "estadia" naquele lugar.


Muito já foi escrito sobre Maria da Graça; de sua importância, sua discografia, seus pensamentos e a longa discografia. Utilizo esse espaço para fazer o oposto: homenagear baby e agradecer sua arte em minha vida, uma simples mortal. Gal sempre falou sobre a vida, o prazer de estar viva, de celebrar… Tenho pensado sobre suas frases e tantas entrevistas que concedeu. Não sou muito fã da vida, mas a eterna fatal, junto com Moraes, me mostraram uma beleza da vida, que é tão curta, sofrida e bela. É necessário relembrar que existe mais, como cantava em "Dê um Rolê" e "Divino, Maravilhoso". Não temos tempo de temer a morte, a vida é boa.


Me reapaixonei por Gal em "Estratosférica" (2015). Com canções de Criolo, Mallu Magalhães, Céu e Arthur Nogueira, o disco traz uma geração nova apaixonada por música, como Gal. Acho que foi ali que enxerguei a vivacidade, a beleza da vida, do que somos e o que podemos ser, porque tudo é divino e maravilhoso. "A Pele do Futuro" me fez relembrar o porquê de gostar tanto de Gal: o frisson estava de volta, a pista estava liberada para dançar e a emoção era intensa com "Minha Mãe", canção de Jorge Mautner. Gal era (e é) isso: uma revolução intensa que não tinha vergonha de mudar.


E agora, como sobreviver sem a vaca profana? Em entrevista ao "Fantástico", Caetano disse: "Viver sem Gal é [viver em] outro mundo". É um mundo sem o timbre alto, sem os volumosos cabelos, sem os shows íntimos que fazia. É necessário descobrir um meio para continuar vivendo, sorrindo e vendo a beleza nos mínimos detalhes.


Um dia depois de sua partida, sonhei com Gal. Fatal como sempre no palco, sorria enquanto era aplaudida pelos fãs. Então, dizia: "Não esqueçam, tudo é divino e maravilhoso. Tudo!" Assim, partia, encerrando sua trajetória nesse mundo. Quero imaginar que Gal partiu sem dor, porque ela não merecia nenhuma dor. Uma vaca profana fatal tropicália só merece alegria e todo amor do mundo.


Em entrevista ao Le Monde Diplomatique Brasil, em 2019, Gal disse: "Espero deixar um legado grande da minha obra e que eu não seja esquecida pelo tempo que passei aqui na Terra, cumprindo minha missão de cantora". Não se preocupe, Mãe de todas as vozes, a sua fatalidade segue intacta e irá influenciar novas gerações. Você nunca será esquecida, Gal (sigo repetindo o seu nome e sempre será assim). Obrigada por tudo e tanto.



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