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Foto do escritorMichele Costa

Impressões: Segredos

Quando eu estava na escola, um professor de literatura estava dando uma aula sobre Machado de Assis - provavelmente o tema era "Dom Casmurro" -, quando disse à classe para não confiar, em hipótese alguma, no narrador em primeira pessoa. Explico melhor: será que este narrador está sendo sincero? Preciso dar continuidade a minha provocação: quando você, leitor, vai contar algo - seja uma história, fofoca ou curiosidade - para outra pessoa, como é essa narrativa? Você conta a verdade, ou seja, a história como ela é ou aumenta um pouquinho? Qual a sua resposta? Eu posso confiar em você? Posso confiar em uma personagem que está narrando uma história de acordo com seu ponto de vista e convicções?


Faço essas perguntas, pois preciso compartilhar algumas informações (talvez essa não seja a palavra certa, mas uso neste texto) sobre o escritor italiano Domenico Startone. Primeiro, ele não é confiável. Por que? O seu sobrenome é outro, o Startone foi retirado de algum lugar. Segundo, em suas obras, ele aborda histórias de amor e conflitos familiares (te fez lembrar de Elena Ferrante?). Inventadas ou não, o leitor se enxerga, em algum momento, nos livros de Domenico. Isso deveria ser um ponto positivo, certo?! Aprofundo minha provocação: será que o objetivo do escritor não é justamente que seus leitores vejam o quão podre são? Por trás de um corpo há segredos, amantes, perdas e tantas outras coisas que são exploradas na literatura do escritor. Startone não quer que tenhamos contato com tudo isso? Ele pode ser confiável em alguns momentos? A relação de escritor/leitor é transparente ou há uma barragem, em forma de segredos?


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Em "Segredos" (Todavida, 2020), temos uma história central que puxa, no decorrer da leitura, para outras camadas da obra. Pietro, um professor pacato, se relaciona com Teresa, sua ex-aluna. Um relacionamento cheio de conflitos e loucuras, onde, em um momento, após uma briga, resolveram confessar seus piores segredos. Desse modo, descobrem os segredos mais obscuros de cada um - aumentando a confiança entre os dois. Teresa aproveita que sabe um podre do companheiro e o chantageia. No entanto, o relacionamento não dá certo e eles acabam se separando, construindo outras vidas, mas os segredos continuam presentes no livro.


Assim como em "Laços" (Todavia, 2014), primeiro livro publicado do escritor no Brasil, "Segredos" segue o mesmo fluxo de divisão: a primeira parte é contada por Pietro, a segunda fica por conta de Emma, filha do professor, e a última por Teresa, sua ex-companheira. No decorrer das páginas, percebemos as diversas perspectivas das personagens sobre o relacionamento de Pietro e Teresa, caso que aconteceu no passado, mas continuava presente, em forma fantasmagórica, no casamento de Pietro e Nadia, impactando os filhos.


"O amor, dizer o quê?, fala-se tanto dele, mas não acho que eu tenha usado a palavra com frequência, aliás, minha impressão é que nunca recorri a ela, apesar de ter amado, claro que amei, amei até perder a cabeça e os sentimentos. De fato, o amor tal como o conheci é uma lava de vida bruta que queima a vida fina, uma erupção que anula a compreensão e a piedade, a razão e as razões, a geografia e a história, a saúde e a doença, a riqueza e a pobreza, a exceção e a regra. (...)"

O relacionamento entre Pietro e Teresa não era comum, os dois brigavam, se ameaçavam, expunham-se, batiam-se; mas no final, faziam as pazes e se amavam. Era um amor conturbado, mas havia sentimento ali. Quando terminam de vez a relação, Pietro conhece Nadia, uma professora de matemática que estava noiva e não queria se envolver com Pietro, no entanto, ele não aceitava não e ficava atrás de Nadia até ter o que queria. Em pouco tempo, os dois marcam o casamento. É nesse momento que Teresa reaparece.


A mulher resolve fazer uma visita ao ex e os dois colocam o papo em dia. Quando Pietro diz que vai se casar, Teresa o ameaça novamente - ele deveria ser fiel e fazer a futura esposa feliz, se não, ela contaria o segredo dele. Após essa aparição, os dois começam a trocar cartas. Pietro, um professor de humanas que conhecia bem as palavras e abusava delas para descrever o que sentia, mandava cartas extensas a Teresa, com medo de ser desmascarado. Esses escritos dão a entender que Pietro nunca esqueceu de Teresa e que o afeto, que ele diz que é amizade, pode ser outra coisa.


Nadia, a esposa, descobre as correspondências e é aí que o relacionamento antigo impregna na família. Os dois começaram a brigar, respingando nos três filhos. Emma, a mais velha, acompanhou de perto e queria descobrir quem foi Teresa e o porquê dela desestabilizar seus pais. A segunda parte é contada por ela traz a trajetória de buscar a ex-namorada, já com quase 60 ou 70 anos, para entregar um prêmio ao pai. Para Emma, Pietro é o melhor e maior professor que a Itália já teve. Ela defende o pai com unhas e dentes, surpreendendo o leitor.


Então, no fim do livro, é Teresa que conta a sua perspectiva. Relembra o namoro dos dois, como eram as aulas de seu ex-professor, como Pietro era simples, sem ambição, mas totalmente perigoso. A mulher sabe que ela não é a melhor pessoa do mundo, que tem defeitos e é asquerosa, e quando vê que Emma admira o pai, fica com raiva. Teresa continua amando Pietro, mas também quer se vingar. O motivo? Aparentemente, Teresa amava muito mais Pietro, que nunca correspondeu ao seu amor no mesmo nível. Será que no fundo, Teresa achava que ela deveria ocupar o lugar de Nadia e ter tido uma família com Pietro? O que mais essa mulher misteriosa guarda?


Em quem podemos confiar? Quem está falando a verdade? Temos todas as informações que precisamos para descobrir quem é o maior e quem está sendo sincero?


"Pensei: a gente se apaixona por pessoas que parecem verdadeiras, mas não existem, são uma invenção nossa; essa mulher firme, de frases escandidas, essa mulher sem timidez, cortante, não é a que eu conheço, não é Nadia. Uma coisa é a pessoa amada, a outra é a pessoa real que, enquanto a amamos, nunca vemos realmente. Quanto tempo, disse a mim mesmo, desperdiçamos nas relações amorosas. Nesses anos inventei com felicidade uma pessoa."

Startone não pode ser confiável, mas é um grande escritor que entra na alma do leitor e o remexe. Talvez sua missão seja mesmo escancarar os podres de quem o lê… Ou está falando sobre a realidade que viveu ou que inventou. Nunca teremos as respostas e também isso não importa - precisamos apenas ressurgir, estar presente em todos os locais, com os olhos bem abertos, para continuar existindo.

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