Filho de um pastor luterano e uma enfermeira, Ingmar Bergman foi criado em um ambiente rigoroso. Seus pais o educaram para que ele, assim como seus dois irmãos, tivessem uma boa família no futuro e dessem o exemplo aos vizinhos. Em "Lanterna Mágica" (Cosac & Naify, 2013), sua autobiografia, o diretor de cinema escreve sobre sua infância: "A maior parte de nossa educação era baseada em conceitos como pecado, confissão, castigo, perdão e misericórdia, fatores concretos nas relações entre pais e filhos e com Deus". A rigidez dos pais impactou o diretor de cinema, que transferiu suas dúvidas sobre amor, religião, família, pânico, juventude e pecado, em suas obras. O cinema de Bergman é existencialista, ou seja, a vida humana é baseada na angústia, no absurdo e na náusea de apenas existir.
Bergman foi uma criança solitária, mesmo morando com dois irmãos. Na primeira infância, descobriu alguns problemas estomacais, que o deixavam de cama por dia, enquanto se alimentava apenas de iogurte e bolachas, uma dieta que foi seguida por muitos anos. Segundo algumas pesquisas psicológicas, é possível que os pais "transmitam" doenças aos filhos ainda na primeira infância, causada pela proteção e raiva em excesso. Será que Bergman não foi contagiado por aqueles que o criaram? Por conta dos repousos em excesso, Bergman brincava com o cinematógrafo que trocou com o irmão mais velho - ele posicionava o objeto no armário e as imagens se moviam enquanto girava a manivela. O bichinho da arte o picou.
Bergman descobriu o teatro na juventude. Encontrou a liberdade que procurava no teatro, já que sua família o aprisionava. Fez parte de um teatro de marionetes, quando, em 1938 torna-se diretor de um grupo de teatro amador em Estocolmo. Bergman inspirou-se em Henrik Ibsen e August Strindberg. Inclusive, o que aprendeu nos teatros, aplicou no cinema - como é o caso do filme "Cenas de um Casamento" (1973), que se passa dentro de uma casa, onde um casal começa a brigar, atacando-se, invadindo os espaços.
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Desde que começou a trabalhar com arte, Bergman não descansava. Trabalhava como um louco, esquecendo da própria realidade que vivia. Será que Bergman buscava preencher o vazio que carregava desde a infância com suas criações? A realidade não era o suficiente? O que ele buscava? Em "Mutações" (Círculo do Livro, 1978), Liv Ullmann escreve que o ex-marido procurava, constantemente, uma mãe nas mulheres que se relacionou. Então, quando aprendia a lidar com a outra pessoa, destruía-a e ia embora. Assim como Leonard Cohen e Lou Reed, Bergman não conseguia ficar junto com outra pessoa, pois nunca esteve por inteiro para si mesmo.
Em alguns momentos, Bergman dá a entender que também não gostava de si mesmo. Inclusive, ele mentia para si mesmo e escreveu diversas autobiografias diferentes. Viver em outro mundo é mais fácil? "Minha vida pessoal é uma tragédia, meus fracassos pessoais são notórios. Sou péssimo pai, mal vejo meus filhos. Por isso tento ser um artista excepcional, que entretém", escreveu mais tarde.
Seu cinema é realista, o telespectador se enxerga nas personagens que estão tentando compreender o que são e o papel de sua existência. "Persona" (1966), sua obra-prima, retrata muito bem o que o diretor sempre buscou. O roteiro foi escrito quando Bergman estava se recuperando de uma pneumonia - ao ficar longe do trabalho, de sua equipe, Bergman se sente aprisionado, como Alma e Elisabet, protagonistas do longa. Após seu lançamento, o cineasta disse que foi salvo pelo filme: "Se eu não tivesse encontrado forças para fazer esse filme, eu provavelmente estaria arruinado". Durante o filme, Alma se pergunta: "É possível ser a mesma pessoa o tempo todo?", uma das diversas questões que Ingmar Bergman carregava.
"Através de um Espelho" (1961), filme que abre a trilogia do silêncio, retrata o problema de Karim (Harriet Andersson) que está presa em um surto de esquizofrênico e para se salvar, tem um encontro marcado com Deus atrás do papel de parede de sua casa. O enredo do filme parece simples, mas Bergman mostra outras camadas: com o passar do tempo, conhecemos o pai, o marido de Karim e seu irmão, que também são impactados pelo surto da mulher. Segredos, sentimentos e dores são expostos. Muitos críticos acreditam que o filme falava sobre o silêncio de Deus com seus filhos, mas Bergman dá outro entendimento - em entrevista dada à revista Playboy, em 1964, ele disse que "nós somos salvos não por Deus, mas pelo amor. É o máximo que podemos esperar". É engraçado pensar que o amor, para um existencialista, seja a salvação, afinal, nem ele mesmo se ama, imagina o próximo…
"Todos precisam aprender a viver. A cada dia, me esforço um pouquinho. A dificuldade principal está em saber quem eu sou e onde estou. É como procurar na escuridão. Se alguém me amasse como sou, talvez, finalmente, me pudesse encontrar."
O diretor francês, Jean-Luc Godard era fã de Bergman: "O cinema não é um ofício, é uma arte. Cinema não é um trabalho de equipe. O diretor está só diante de uma página em branco. Para Bergman estar só é se fazer perguntas; filmar é encontrar as respostas. Nada poderia ser mais classicamente romântico".
Bergman questionava, buscava encontrar as respostas para alcançar o lugar que sempre procurou e nunca foi aceito. Ele sabia que o amor salvava, mas nunca esteve por inteiro para conhecer esse sentimento que preenche a alma, por isso, foi para arte - para dar um sentido a sua existência que pesava. Ao criar seus filmes, o telespectador encontra as respostas, não para o diretor, mas para ele mesmo.
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