Lili Araújo carrega a alma do Rio de Janeiro em si: é alegre, falante e contagia o próximo com a sua energia. Quando começa a falar, não para - e não reclamo! Em quase duas horas de conversa, em vídeo, ela falou sobre tudo: seu último álbum “Dájazz”, sua infância, o público, samba e a influência da música clássica em sua formação. Inclusive, ela me deu uma aula sobre música e refletiu sobre o futuro.
Quando era pequena, Lili queria ser concertista. Nada de professora e advogada, como era feito em brincadeiras de diversas crianças; ela queria aprender a tocar piano e fazer parte de uma orquestra, fazendo o que mais gosta: música. Ainda pequena, foi morar em Paris com a família e foi lá que aprendeu a tocar flauta doce. Não era possível fugir do sonho, a música está em seu sangue. “Meu avô tocava uma flauta barroca, transversal, mas ele nunca seguiu o seu sonho, foi garçom em um bar emblemático do Rio de Janeiro”, comenta. Se o avô não conseguiu, a neta realizou o sonho de ambos.
Para se aprimorar, Lili fez aulas no Conservatório Villa Lobos. A ideia inicial era fazer apenas um curso, de dois anos. No entanto, a cantora ficou estudando na instituição por oito anos. “Eu vi meus amigos compondo, fazendo um monte de coisa… O pessoal era do choro, do samba, aí comecei a tocar cavaquinho de orelha e me encontrei”, diz ao relembrar do passado.
Como a música surgiu na sua vida? Quando você se descobriu cantora?
Cantora eu me descobri tarde, mas a música entrou na minha vida quando eu era criança. Desde pequena, eu falava que queria ser concertista. O meu sonho era tocar piano, só que eu fui morar em Paris, meu pai foi dar aula lá, então eu não tinha condição de ter um piano, porque a gente morava numa casa muito pequena. Então, meu pai me deu um piano de criança, aqueles para brincar e foi com ele que eu comecei a tirar músicas de Chopin de ouvido, só que desafinado.
Na escola tinha duas opções: violino ou flauta doce. Como o violino não me apetece, acabei fazendo flauta doce, tendo uma introdução musical aos sete anos de idade.
Eu me tornei cantora por conta do cavaquinho, porque precisava cantar. Aí comecei a ter essa cultura, do samba, do choro cantado.
Lili se mudou para Viena, na Áustria, no início de 2006. Ficou por lá durante três anos, carregando e compartilhando o samba por onde passava. “Cantei muita bossa nova com amigos que tocavam jazz. Também formei um grupo de estudos de choro com o pessoal da faculdade de jazz de Viena, mas não deu certo. Imagina, um monte de gringo tocando samba. Tocava também com alguns brasileiros, aí ganhava um dinheiro por gig”, diz. Inspirada por Joyce e Rosa Passos, fez seu nome por lá, tocando com grandes músicos e participando do festival sueco Stockholm Jazz Festival e o uruguaio Festival Internacional de Jazz de Punta del Este.
Quando volta, trouxe de presente seu primeiro disco, “Arribação”, que contou com a participação de 52 músicos. Ao relembrar da produção do álbum, ela ri. “Fui colocando amigo em tudo, queria que todo mundo participasse”. Rimos juntas.
A cantora lançou seu quarto álbum, “Dájazz”, em março, antes da pandemia. Ao lado do músico Alegre Corrêa, que conheceu em Viena, Lili celebra a amizade e reafirma suas raízes no Brasil. “Alegre se tornou um mentor musical e, ao mesmo tempo, uma espécie de figura paterna para mim. Me espelhei muito na figura dele, em como ser profissional e liderar meu trabalho, em como me colocar no palco com responsabilidade e firmeza. Alegre foi minha faculdade de música, ele me lapidou”, reconhece sorrindo.
Além de Alegre, François Muleka, Henrique Band, Rodrigo Lúcio e Valéria Lobão fizeram parte do álbum.
O que vem primeiro para criação de uma música?
Depende muito. Quando eu tô compondo sozinha, vem a melodia junto com a harmonia, aí depois vem a letra - alguma letra. Eu tenho mais dificuldade para musicar.
Durante a conversa, comenta diversas vezes o amor por Rio de Janeiro. A cidade continua bonita, mas perdeu o encanto pelo desgoverno. Me conta sobre o bate boca que teve com um rapaz que entrou sem máscara na padaria. “Acordo cedo para dar uma corridinha, se não eu surto. Vou cedo, mas mesmo assim vejo pessoas sem proteção e a máscara no chão”, desabafa. Digo que São Paulo está do mesmo jeito. Não conseguimos entender o que se passa na cabeça de pessoas que não se importam, que continuam indo em festas, aglomerando e vivendo como se não houvesse uma pandemia. Ela sente falta de abraçar a mãe e dos palcos - tente tirar a música do músico para ver o resultado.
Ela tinha shows marcados por aqui e em outros países, mas desmarcou assim que ficou sabendo que outros países já estavam em estado de alerta. Não sabe o que será do futuro, inclusive, não faz muitos planos, mas continua tocando, escrevendo, cantando. Prometeu que fará uma live, já que a cultura salva. Também torce para que a classe artística tenha o respeito e mérito que nunca teve. Em épocas de destruições, a artista tenta pensar positivamente, acreditando que terá dias bons. Só temos uma certeza: Lili será ouvida e celebrada como um marco do samba.
Para conhecer as canções de Lili, clique aqui.
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