Existem diversos caminhos para seguir. Com o passar dos anos, decidimos o que fazer com os nossos próprios passos. No entanto, é possível encontrar obstáculos, isto é, pedras, torvelinhos e névoas, mudando nosso trajeto. Podemos nos perder ao enfrentar uma tempestade intensa, mas sempre voltamos, porque nada dura para sempre - Marc Verwaerde sabe como é viver com essas oscilações.
Radicado na França há anos, Marc Verwaerde relata o seu caminho íntimo no EP A Better Man, que será lançado no dia 26 de janeiro. Mesclando influências do folk e pop inglês, o músico faz a fusão entre a agitação de São Paulo e a tranquilidade da Bretanha, localizada no noroeste da França, além de compartilhar as reflexões de sua trajetória. Dessa maneira, Marc nos relembra que o soltará voltará a brilhar após as tempestades.
"Nesta jornada de um ano e meio, eu compus umas dezenas de canções que tentam resolver estes questionamentos. A pessoa mais sólida que eu encontrei durante este tumulto particular foi a minha filha. Foi para ela que eu escrevi "I Love You"", relata Verwaerde sobre a história do EP.
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Os seus movimentos são metaforizados no mar, ou seja, as canções de A Better Man mostram as dificuldades de um navegante quando uma onda grande invade o seu barco, assim como o sorriso de alguém importante para nós, que se aproxima do brilho do sol sobre as ondas na beira da praia.
Suas canções trazem a agitação de São Paulo e a tranquilidade de Bretanha. Como foi misturar dois locais tão diferentes?
Foi complexo mesmo, mas acredito que o local onde você toca influencia muito na maneira de interpretar as canções. Ao imaginar colaborar com os amigos do Supercolisor, desde a minha ilha recuada de Bretanha, quis tomar a minha guitarra Gibson SG e me mostrar para eles. Queria me convidar para estar ao lado deles nos próximos shows na capital do rock do Brasil, São Paulo. Então, gravei estas guitarras frente às tempestades do atlântico norte e as ondas que nunca encontram descanso, pensando na agitação desta cidade que nunca dorme. Eu já tinha morado em São Paulo há vários anos, então eu conhecia bem a alma da
cidade, a energia que nunca se esgota. Quando eu tive a chance de voltar para São Paulo para finalizar o EP com o Ian Fonseca e o Jerome Gras, eu vi que as minhas lembranças interpretadas com os meus riffs de guitarras eléctricas não estavam muito longe da realidade...
É possível sentir uma neblina em suas letras e melodias, resultado do seu questionamento íntimo. Como foi o processo de fazer este caminho, refletir e, em seguida, criar?
Eu sempre componho a letra antes da melodia. E a letra sempre surge do nada, assim, num instante. Eu acredito que a letra faz o seu caminho no meu inconsciente ao longo das minhas experiências de vida. Nos anos 2020 e 2021, eu vivenciei o que a humanidade vivenciou com o Covid. A experiência do isolamento me fez pensar no sentido da vida mesmo, o que era mais importante para mim. Eu entendi que eu estava no caminho errado quando a única coisa que me mantinha vivo durante este período era o meu violão, os shows que eu fazia cada noite no Facebook live, e a minha filha. Resolvi deixar o mundo corporativo, vender os móveis e a casa e morar nesta ilha da Bretanha com os meus violões e o meu sintetizador. Eu escrevi todas as canções a respeito destas decisões de vida. Não sei se a minha experiência é muito original, mas a minha inspiração só vem do que eu posso vivenciar :)
Não respondi a respeito da melodia, mas o processo é ainda mais bizarro… A minha folha de rascunhos, eu pego o meu violão e 80% do tempo, a cifra e a melodia vem naturalmente, como se caísse tudo obviamente, magicamente. Não sei realmente explicar. Eu acredito que o tom da letra me faz pensar em sentimentos, e eu tento resolver a equação melódica pensando nestes sentimentos.
É interessante saber que você encontrou o suporte necessário em uma pessoa específica, sua filha. Inclusive, "I Love You" é dedicado para ela. Dessa maneira, pergunto: é possível encontrar a salvação no outro?
A sua pergunta é bem pertinente sim! Eu gostaria de responder por uma pergunta: será que a minha filha é um outro de mim mesmo? Claro que sim, claríssimo, ela tem existência própria mas quero dizer que quando você se torna pai, a sua filha se transforma no ser mais importante no mundo. Nos momentos de dúvida a respeito da minha presença física neste mundo, eu sempre pensei na minha filha e a resposta sempre foi: não posso deixá-la sozinha. Eu acredito que salvação não acontece com o outro, mas o outro pode contar muitíssimo! Ela que escolheu de certa forma "the Colors of our life" :)
Em "A Better Man", você canta que não é necessário brigar, mas deixar o fluxo te levar para onde você precisa ir. Para onde você deseja ir?
Se eu soubesse onde a corrente leva, talvez eu teria vontade de chegar ao final do caminho… Recentemente, perdi o meu pai: eu sei qual é o final do caminho para todo ser humano. Eu prefiro saber que a corrente me leva e que eu preciso aproveitar da viagem, mais do que saber para onde eu vou. E poxa, que viagem linda!
Recomeçar, coragem e amor são alguns dos temas que você aborda no EP. Qual é a importância desses tópicos para você?
São os tópicos mais importantes para mim. Recomeçar é uma maneira de enxergar o
conceito de erro de uma forma mais positiva e acionável. Recomeçar é fazer uma coisa com a experiência dos erros passados. Melhorar. Para recomeçar, quando os fracassos foram enormes, é preciso muita coragem. Coragem, para mim, é adicionar os pequenos passos um por um, os passos onde você se sente capaz de ir para frente. Adicionados, podem formar uma impressão de coragem enorme. Mas na realidade é bastante fácil ser corajoso nestas condições.
Dar amor, receber amor é a coisa mais poética neste mundo. Não vejo coisa mais linda e mais útil para humanidade e o planeta. Vivo com este único valor em mente.
"Não reclamo do que vivi até hoje, sou tão grato por tudo isso. Todas as pessoas que eu encontrei, as culturas que eu tive que descobrir… Às vezes, shit happens, e a melhor forma que encontrei para superar estas complicações foi transformando aquilo em arte."
Uma estrofe de "The Long Shot" me chamou atenção: na canção, você diz que levou um tiro no escuro, fora do seu caminho, em um caminho certo. Dá para interpretar de diversas maneiras essa parte. Você pode dizer o que quis dizer?
Inglês não é a minha língua materna, e quando escrevo, como eu disse, as letras saem espontaneamente. Tive a chance de morar na Inglaterra quando eu era criança, e parte de mim acredita que quando a letra sai no papel, é o meu "inner Child" que está falando. Mesmo assim, eu sei que algumas das minhas letras têm significação obscura porque na realidade quis escrever alguma coisa específica mas errei na hora de utilizar a boa expressão. "Long shot" em inglês quer dizer que o objetivo vai ser difícil de alcançar. E eu pensei nisso na hora de escrever a frase "I’ve taken the long shot" que não quer dizer absolutamente nada porque a expressão exata é "this is a long shot". Mas deixei assim mesmo, porque achei bacana imaginar que eu podia ser projetado pela frente como um "shotgun". Eu seria o passageiro deste famoso "shot" em vez de levar o tiro para mim… Enfim, poesia também é assim, cada um interpreta do seu jeito :)
Ao compartilhar os seus sentimentos, você quer que o ouvinte entre nessa mesma onda que você está, que é cheia de amor e coragem?
Realmente, eu gostaria antes de tudo que o ouvinte tome prazer ao ouvir as canções, que a viagem sonora seja boa, e que a melodia possa refletir no momento de vida do ouvinte. A letra vem depois, como um apoio suplementar. Eu costumo ler a letra dos meus artistas favoritos somente após umas 50 ouvidas da canção. E às vezes, leio de novo anos depois e para mim a canção tem um sentido completamente diferente. Adoro também pensar no que o autor da letra pensou na hora de escrevê-la. São perguntas sem resposta que cultivam a minha própria criatividade. A minha sugestão seria: ouvinte, cultivem a sua própria criatividade e façam das suas emoções e experiências de vida suas próprias criações :) Vocês são capazes!
As ondas estão sempre em movimentos, assim como nós, simples seres humanos. Continuar com a travessia é difícil, mas as cores que Marc Verwaerde trazem dão força para viver intensamente.
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