Em decorrência da correria do dia a dia - consequência do capitalismo tardio -, a classe trabalhadora não consegue enxergar o que está ao seu redor, impedindo de estar em contato com suas dores, incômodos e outras pessoas. Em O Dia que Te Conheci (2024), André Novais Oliveira traça um paralelo da realidade de um bibliotecário que luta para chegar ao trabalho na hora com a comédia e o romance.
A trama aborda a história de Zeca (Renato Novais), funcionário de uma escola infantil de Betim, município de Belo Horizonte, que leva quase duas horas para chegar ao ofício todos os dias. Por conta de atrasos e consecutivas faltas, Zeca recebe a demissão por Luíza (Grace Passô), secretária da escola. Mesmo com a notícia negativa, ele se abre para a moça, falando sobre as medicações que toma. Dessa maneira, os dois se conectam a partir de um incômodo: os remédios para ansiedade. O breve contato abre espaço para que Luíza ofereça uma carona ao colega, iniciando um diálogo profundo sobre a vida.
Assim que o carro dá partida, Zeca diz que se sente aliviado em sair daquele ambiente, definindo-o como escroto. Por mais que ele gostasse de trabalhar com as crianças a partir da literatura, o protagonista de O Dia que Te Conheci confessa que a escola era escrota - e Luíza concorda. A negatividade tem nome: racismo, visto que apenas duas pessoas pretas ocupam o espaço. Em seguida, os dois compartilham experiências, deixando os personagens (e telespectadores) curiosos para novas informações.
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O Dia que Te Conheci conta com dois pontos importantes: 1) os protagonistas são pretos e gordos, reforçando a importância de representatividade no cinema; 2) a câmera segue, em alguns pontos, afastada de Zeca e Luíza, fazendo com que o espaço participe da história. Inclusive, é neste momento que vemos os mais belos momentos: a mãe de uma aluna confessa que a filha adora a biblioteca da escola e Zeca, um incentivador à leitura, diz que a vê como escritora, deixando a genitora orgulhosa. Logo depois, ele questiona se ela conhece as figuras que estão desenhadas na parede. Ela reconhece Michael Jackson, mas tem dificuldade para reconhecer Malcom X, assim , Zeca ajuda-a, falando sobre o ativista.
A distância da câmera é quebrada quando Zeca e Luíza se beijam, eliminando o espaço entre eles. A troca de carícias é vista como um refúgio para ambos que são engolidos pelo capitalismo diariamente.
O Dia que Te Conheci não é uma simples comédia romântica, pelo contrário, o filme provoca uma reflexão sobre a falta de representatividade negra na arte e na história; a saúde mental da população negra; além de mostrar a realidade do deslocamento do proletariado utilizando o transporte público.
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