Segundo o dicionário, a palavra modesto significa "isento de vaidade; simples, despretencioso". É interessante saber que essa definição é aplicada aos Modestos, pois simplicidade não combina com eles: combinando influências com o som autoral, Os Modestos compartilham suas histórias em canções poéticas.
Após algumas formações, Os Modestos fecharam com cinco integrantes: Marcos Alex, Matheus Marinheiro, Thiago Romano, Guilherme Kataoka e Ricardo Pandorf. A história da banda começou em um passado pré-pandêmico, onde os amigos se reuniam para conversar e tocar. A ideia de iniciar um projeto amadureceu e assim a história se inicia. "Os Modestos nascem um pouco antes da pandemia, quando eu, Marinheiro e o Marcos nos encontrávamos para compor. Na época fizemos “Cansado”, que entrou no EP. Ali como qualquer processo musical, iniciou-se o que eu chamo de ‘arqueologia da música’, onde trazemos nossas referências e vamos modelando as composições até achar o tipo de som da banda", explica Romano, guitarrista d’Os Modestos. "Acredito que depois de cinco anos e milhares de ensaios, conseguimos encontrar o nosso tipo de som, funcionando como uma rádio que capta o que faz sentido: um pouco de música clássica e melancolia, MPB com riffs de hardcore melódico, com cada faixa tendo sua personalidade", completa.
Entre ensaios, reflexões e conversas, Os Modestos aproveitaram o tempo para gravar e produzir, aprimorando o som deles. Foi assim que surgiu ParaAndar, o primeiro EP da banda, produzido por Teago Oliveira e Lucas Gonçalves, ambos da Maglore. Com letras introspectivas e melódicas, as cinco faixas do EP refletem a experiência humana em sua constante busca por conexão, propósito e autoconhecimento. Dessa maneira, a banda convida o ouvinte a ponderar sobre suas próprias jornadas emocionais e existenciais.
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Como foi esse processo de decidir as coisas em 2019, iniciar a ideia, vir uma pandemia, parar, e, agora, lançar o EP em um outro período do tempo?
Matheus: A gravação mesmo, que saiu com o EP, a gente começou no começo de 2023. Antes, a gente já tinha feito algumas gravações, mas nunca utilizado. Inclusive, a gente tinha feito uma pré qua mandamos para alguns produtores para ver se eles queriam produzir [a gente] - estávamos atrás de alguém com um olhar externo… Demoramos um tempo para fazer esse EP, não foi muito, mas foi um tempo razoável, e a gente tava com ele pronto e demoramos um tempo para lançar também. Ficamos com ele pronto, sei lá, [a partir] de setembro ou outubro do ano passado, mixado e tudo, mas ficamos com algumas questões - não queríamos lançar no fim do ano, depois não queríamos lançar no carnaval e seguramos por um tempo…
Marcos: É, a gente faz isso: enquanto não sentimos que tá na hora, não lançamos.
Matheus: Essa gravação oficial a gente segurou [porque] precisávamos de algumas coisas, a gente percebeu que precisava de um produtor, que não tava do jeito que a gente queria…
Marcos: E que poderia ficar longe do primeiro show de estreia…
Matheus: Várias questões.
E agora que o EP tá no ar, como vocês se sentem?
Matheus: Agora é muito doido, na real. É uma sensação, pra mim, particularmente, maluca. Não sei pra você como é… [olha para Marcos] Eu nunca lancei um som, então, pra mim, é o meu primeiro som, então, é tudo muito novo. Eu não sei muito o que esperar, então é muito novo, não tem outra palavra.
Marcos: Pra mim tá sendo bem parecido com ele. Eu já lancei algumas coisas no Spotify, como parte de um grupo - porque eu toco em orquestra, mas eu tô lá no fundo, sabe? Então, essa minha percepção tá sendo muito legal, sabe? Estar à frente de um grupo. Na orquestra a gente tem muita coisa pra tocar que é desafiadora e no nosso grupo também é desafiador, só que você ouve os seus instrumentos, sabe? Tá muito doido.
No release, vocês dizem que depois de algum tempo e milhares de ensaios, vocês conseguiram chegar no som desejado. Quando foi o momento que perceberam que o som deveria ser esse e que contém uma mistura de influências?
Matheus: Ah, sendo bem sincero, quando eu cansei [risos].
Marcos: Peraí, quando você percebeu…?
Matheus: Tem duas coisas: esse é o som da banda e o outro é o som gravado. O som da banda, de identidade, foi bem no começo. O Marcos tocou ali um trombone, a gente enquadrou e viu a identidade da banda, mas de gravar o som, de ensaiar pra caramba, trocar e mudar e gravar e regravar foi o momento que eu dei uma cansada, sabe? Já tava numa qualidade muito boa, não tem mais o que mudar, a gente já tá satisfeito nesse som e já tava ótimo. Eu cansei do som e não queria alterar mais nada. Acho que teve muito a questão de produzir com a galera, ter uma galera de fora e a galera também falar isso pra gente, deu uma acalmada na gente. Agora, de gravação, eu não sei se vamos chegar um dia a esse ponto - e não é falando que não vamos chegar muito longe, eu vejo muitas bandas que nunca chegam a esse nível, sabe? Eles fazem o som e depois falam “eu mudaria tudo naquele disco”.
Marcos: Acho que é pra todo mundo. A gente [músicos] fica procurando coisas a se fazer onde já tá feito.
Falamos de ParaAndar. O ParaAndar é junto, mas é para continuar andando sozinho ou para andar junto com vocês? Tem uma história por trás?
Matheus: É tudo isso [risos]. Antes de gravar, eu tinha uns papos com o Romano e Marcos de fazermos alguns EPs, não digo que vamos fazer isso, mas tínhamos essa coisa, porque víamos que algumas músicas se encaixavam com o tema. Essas músicas que a gente colocou no EP se encaixava em um tema que a gente achava que estávamos empacados e queríamos sair dali, dar um próximo passo - e esse nome veio daí. Gostamos do trocadilho e de juntar o nome…
Eu gosto muito, é uma simbologia e tanto!
Matheus: Nós tínhamos outros [títulos] que se encaixavam no tema, sabe? A gente fez muita terapia e a pandemia foi muito massante pra gente, então, pensávamos muito sobre a vida, filosofias de sair daquilo e se descobrir, se conhecer… Acho que o ParaAndar veio com esse significado. A junção do nome foi uma brincadeira e achamos bonitinho e deixamos. Agora, uma coisa interessante que você falou, e eu nunca tinha parado para pensar, será que é para andar com vocês? Talvez, talvez. Talvez as letras desse EP tenham alguma conexão com as pessoas, sabe? Será que você também tá tendo essa conexão? Será que você também consegue dar esse passo com a gente?
Marcos: Tanto que no nosso show, víamos pessoas chorando, sabe? Tinha muita gente se identificando com as letras e tudo…
Matheus: Talvez seja isso também, para andar com a gente.
Vocês chegaram a alguma conclusão de todos esses sentimentos?
Matheus e Marcos: Não!
Matheus: Acho que são muitas perguntas e poucas respostas.
Falar abertamente sobre essas questões foi difícil?
Matheus: Ah, não sei. Não sei se foi pro Romano, não posso responder por ele. Tem composições minhas e o do Romano… Acho que a gente tava precisando disso, sabe? A gente tava precisando gritar algumas coisas, estávamos agoniados com a nossa situação. Acho que foi fácil porque foi um alívio, de uma certa forma. Acho que a parte difícil disso, a gente desconte em outras coisas.
Falando em letras, em “Cansado”, vocês relatam que não encontram nada, porque o vazio está em vocês. Por que sempre buscamos algo para nos preencher?
Marcos: É, essa é uma pergunta difícil…
Matheus: Talvez a gente saiba que fazemos isso, talvez a gente saiba que esse vazio tá na gente e por isso ficamos procurando por esse algo. E talvez o disco e essa música vem para falar que não vamos encontrar nada. Talvez encontremos dentro da gente, porque o vazio tá na gente, sabe? A busca é no interior e não no exterior. Talvez esse álbum venha pra falar isso pra gente. Agora, por que a gente sempre busca por algo? Não sei. Eu poderia dar uma resposta genérica - sobre o capitalismo e etc, mas também não posso confirmar.
Marcos: Acho que a gente busca e sempre estamos na busca do prazer de várias formas. Tem aqueles pequenos prazeres e os pequenos prazeres - e acho que os grandes prazeres são as realizações que a gente tem.
Matheus: Acho que a letra de “Cansado” traz essa não identificação: você está cansado de buscar essa parada exterior, mas quem é você? Porque o vazio tá aí dentro, então, você já descobriu quem é você?
E ao cantar, o vazio continua ou ele vai para outro lugar?
Marcos: Vai para outro lugar! A vida é isso - pelo menos pra mim, na minha cabeça - da gente tá buscando encher esse vazio.
Mas é possível viver com ele, né?
Matheus: Acho que é possível viver com ele, acho que é menos doloroso quando você sabe o que é. Se você fica buscando coisas que você não quer ou coisas que você nem sabe o que é, acho que é mais doloroso.
Outra música que me chamou atenção foi “Fome” que tem a necessidade de seguir em frente, mesmo com os desafios. Me chamou atenção a estrofe “quando eu perdi a fome, eu consegui ganhar”. Existe uma maneira de ligar com a vida sem perder a fome e continuar ganhando?
Matheus: Acho que a ambição… É o mesmo assim de “Cansado”, porque a ambição eu não sei se posso falar que é natural, talvez seja cultural ou alguma coisa assim… Acho que tem graus e graus disso. Acho que na música é [sobre] essa fome excessiva, essa fome de que você não sabe o que é ou algo que você busca e nem sabe o porquê de estar buscando aquilo… Não sei se tem uma maneira de perder essa fome, porque, talvez, perder um pouco da fome, é perder um pouco a vontade das coisas, né? Talvez a fome, essa ambição, seja necessária.
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