Cresci ouvindo a expressão "o tempo voa" de adultos. Quando se é criança, não temos noção do tempo - tudo parece devagar. Enquanto todos crescem e mudam, você continua no mesmo estágio. Então, de repente, você é adulto e repete a frase dos familiares. Mas não é só isso: após as vivências intensas na juventude, você vê o tempo com outro olhar, tornando-se sábio em algumas escolhas. Você entende o título do primeiro álbum de Rod Krieger, A Elasticidade do Tempo.
Em Por que o Tempo Voa (Todavia, 2020), Alan Burdick inicia uma busca pessoal para compreender como percebemos o tempo. Em um determinado momento, ele escreve: "o tempo voa porque você não está no momento acompanhando-o." Perdemos o fio da meada quando estamos deprimidos? Relembramos que vivemos apenas quando voltamos cansados de uma noitada? Perdemos o tempo quando não sentimos nada e nos preocupamos com coisas banais? "Com o tempo, tu vai ver que certas coisas já não são tão importantes quanto eram. Coisas que nos tiravam do sério, hoje já nos deixa de boa", Rod diz no meio do papo, respondendo alguns dos meus anseios.
Com mais de duas décadas de estrada, Rod Krieger está em outra vibe. Vivendo entre o oeste português e o Rio de Janeiro, o músico mistura space rock e batidas eletrônicas com influências de bandas folk-psicodélicas dos 60/70 para abordar os diversos assuntos que estão em sua mente. Sua história, sonhos e desejos são retratados através do fluxo de consciência, seguindo os passos de James Joyce, Virginia Woolf, Bob Dylan, Hilda Hilst e Clarice Lispector.
Recentemente, Rod Krieger apresentou "Cai o Sol e Sobe a Lua", a primeira canção de A Assembleia Extraordinária, novo disco que sairá em outubro. A música mistura ritmos e reforça a influência da vida em uma aldeia portuguesa: "Penso que nessa nova fase estou escrevendo de uma forma mais introspectiva, muito influenciado pela minha vivência na aldeia Sobral do Parelhão, que fica no oeste português. De uma certa forma, aquela vida um tanto bucólica acabou caracterizando um pouco as letras".
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Você acha que o tempo ainda é elástico?
Bom, vamo começar do começo, o nome. O disco tem a participação do Arnaldo Baptista, na primeira faixa, e nesse processo de autorizar o sample da voz dele, que tem uma mega burocracia - coisas de assina aqui, assina ali -, eu fiquei muito próximo da Lucinha, esposa dele e empresária, e eu esqueci uns papéis que eu tinha que enviar ou foi uma homenagem que eu fui fazer, pedi mil desculpas e ela sempre naquela delicadeza dela, naquele carinho dela, falava: "não, Rodolfo, relaxa, o tempo é elástico" e eu fiquei com essa merda na cabeça por muito tempo, porque eu tava correndo - e por que eu tinha que correr? Acho que foi para recompensar a minha adolescência que eu fiquei deitado e comecei a correr, e foi aí que surgiu muita coisa. Eu adoro fazer trocadilho com tudo, sempre trocando ou invertendo as palavras, acho que é até uma herança que eu peguei do Arnaldo também, e acabou surgindo esse nome e tinha muito a ver com o disco, porque ele acabou virando uma coletânea de mim mesmo. Por ser o primeiro disco de um cara que vem de uma banda que tinha cinco compositores e tinha uma outra banda antiga que tinha um monte de música enlatada… Então, mexeu muito com o tempo, sabe? E achei que por um motivo [o nome] se encaixou com as coisas que eu vinha falando. A gente perde muita noção do tempo na estrada, sabe? Eu não lembro muita coisa, qual ano era cada coisa que eu tava, às vezes eu tenho a impressão que a gente não dormia nos horários direito e tava sempre na rua - uma loucura. Então, eu sempre perdi um pouco a noção do tempo e o tempo sempre foi elástico, porque eu sempre dei um jeito de fazer as coisas por mais louca que fosse minha vida, eu tava lá dez minutos antes… E tem outra coisa também! Coisas que eu falei há cinco minutos atrás, acho que sou meio ridículo, e depois de um tempo, na verdade, não era nada disso. Então, o tempo resolve tanta coisa - é meio clichê, mas era o que tava rolando e cá estamos.
O significado do tempo muda também com o passar do tempo, né?
Muda, muda. O tempo é muito louco, a maneira que tu vê os minutos, a maneira como tu vê as horas a partir dos minutos é muito diferente de como tu vê as horas a partir de semanas, elas continuam sendo as mesmas horas… O tempo tem essa coisa. Tu falou um pouco da pandemia… Eu acho que a gente não saiu ainda, porque ainda tá rolando a parada. Tá tudo meio louco… [silêncio] É esquisito falar, porque eu gravei esse disco vinte dias antes, tava com uma turne marcada… Sabe aquelas historinhas que a gente vê dos anos 60 brasileiro [sobre] aqueles caras que vieram do interior para São Paulo, largaram tudo e, por algum motivo, chegaram até ali e deram certo?! Eu, de uma maneira ingênua, fui pra Portugal - vendi tudo, vendi meus discos, banda acabou, deixei meu filho - e fui eu, minha esposa, um disco debaixo do braço e uma guitarra. Cheguei lá, descolei um selo, montei um estúdio e quando fui ver, tudo fui pra água abaixo… Aí eu fui pra casa e fiquei dois anos e meio, três anos - nem sei quanto tempo durou essa merda - e aí o nome do disco cada vez mais fazia mais sentido, a cada minuto que passava ou horas ou semanas, eu não sei… E dentro disso surgiu outro disco, saca? Eu perdi completamente a noção do tempo. Agora, eu vou entrar numa turnê de dois discos, músicas que eu não toquei… É cara, posso ficar aqui contigo umas cinco horas falando sobre o tempo.
Aí você vai misturar dois tempos: a produção dos discos junto com a pandemia e o tempo de agora que tá tudo muito estranho. Acho que não dá mais pra voltar ao normal, né?
Não dá! Não tem como! E nem falo que a gente ainda tá, porque nem surgiram as coisas que ainda não surtiram os efeitos… Pega essa galera de Porto Alegre… Que tempo louco!
Em A Elasticidade do Tempo - nem sei se isso foi pensado, se existe uma simbologia por trás - a primeira e a última música tem a palavra Deus. É muito simbólico ouvir o Arnaldo Baptista dizendo "seja Deus". Pra você, qual o significado de Deus e qual o contexto desta imagem em um contexto psicodélico, junto com o Arnaldo?
Ai… [risos] Eu tava buscando a religiosidade na época que eu tava escrevendo essas músicas. Não a religião… Sei lá o que eu tava procurando, mas apareceu no meio e eu não sabia o que era e eu continuo não sabendo o que era até agora. Eu tava meio desacreditado em muitas coisas, até pelo tempo que eu vivi na estrada… Essa música que o Arnaldo participa era uma música que já existia e só faltava um refrão pra ela - e usei isso casualmente. [há um corte na gravação] Eu usei uma coisa até que o Bob Dylan fala nos livros que ele usava que era o fluxo de consciência, de estar escrevendo e meio que psicografando e acho que por ter estado com "Louvado Seja Deus", acabou saindo uma letra de música pela espiritualidade. Foi uma coisa que eu me liguei depois, sabe? E o fato de acabar com "Vai com Deus", uma música do Tony Bizarro, que é um cover do disco, Tony Bizarro foi um dos caras que a gente mais escutou lá no Canto da Coruja, onde eu gravei o primeiro disco. A gente tava num clima tão psicodélico que a gente queria dar uma limpada nos ouvidos e acabava caindo nessa. Tony foi uma trilha sonora! Eu voltei pra casa, como era numa fazenda, eu fiz um primeiro tiro, voltei para o Guarujá, depois fui fazer uma segunda parte e gravei essa música e acabou sendo uma homenagem. O engraçado é que eu tinha gravado o disco, mas ele não tinha ordem e foi ter depois. Em cinco anos, tu é a segunda pessoa que me pergunta isso. Eu não tinha me ligado nisso até ter dado uma entrevista e achei que ninguém mais ia se ligar nisso e aí tu vem e pergunta isso, por isso que fiquei até meio embaralhado.
O que seria "seja Deus", seguir os próprios passos? Algo específico?
Eu descobri nas minhas buscas e caminhadas e meditações que… Cara, eu cheguei já em ponto que acreditar em Deus é não ser um filho da puta. Isso resume tudo!
Os locais que você passou também estão presentes nas suas músicas, tem São Paulo, Guarujá, Portugal. Por que essa necessidade de trazer esses locais?
Porque é história, né?! Muito do fluxo de consciência, as coisas estão aqui, né, elas estão dentro da minha cabeça, esses lugares ficaram marcados. Eu acho que é muito também porque em uma banda, a gente escrevia para uma banda, entendeu? A maneira de fazer as coisas era diferente, agora é sozinho… O eu é muito mais presente, mesmo em músicas que eu fale não na primeira pessoa, mas mudou a forma de escrever. Nós vínhamos em cinco compositores, eu geralmente cantava uma ou duas músicas por álbum e eu sabia quando eu ia escrever, quando eu ia cantar ou quando o vocalista ia cantar. O assunto era outro, a vida era outra, os gostos eram outros, as texturas e os cheiros eram outros… Acabei mexendo um pouquinho no tempo mesmo, algumas coisas vão aparecendo mesmo… Às vezes nem é sobre "vou falar aquilo", mas às vezes é uma palavra, uma cor que tu viveu no teu passado, aí tu coloca uma letra pra enfeitar ou uma borboleta [há outro corte na gravação], mas a borboleta ficou no teu cérebro e tu acabou escrevendo. Talvez por isso que tenha muita coisa minha ali, por isso que tenha Guarujá e Lisboa. Eu e o Bob Dylan não paramos em lugar nenhum, então, acaba escrevendo sobre estrada.
"É legal botar o pé no freio, vale a pena. É saudável"
As diversas facetas de Rod Krieger garante a proximidade com outro, visto que estamos em constante mudança. No final, o músico não está ocupado nascendo, ele está ocupando vivendo seus dias perfeitos com o tempo que possui.
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