Revisitar o passado para viver o presente, imaginando o futuro. É através do tempo que evoluímos. É com essa ideia que Thiago Elniño e o rapper GOG compartilham em SANKOFA, primeiro EP da dupla, que aborda memória, caminhos e trocas.
Com seis faixas - sendo duas músicas e quatro interlúdios - e participações de Renato Matos, Monique Brito e Renato Freitas, o EP faz referência ao nome de um símbolo dentro do sistema de registros dos povos Ashanti, denominado Adinkras, que significa olhar para o passado e se alimentar do conhecimento dos ancestrais para assim obter a sabedoria necessária para fazer escolhas no presente e viver no futuro uma realidade mais próspera.
“Acho que esse trabalho traz uma reflexão sobre caminhos, etarismo e sucesso, o que é sucesso? Os números ou você construir uma caminhada que tenha impacto real na vida das pessoas? Quais artistas são realmente capazes de abrir mão do lucro financeiro para fazerem aquilo que vai ser realmente produtivo para sua comunidade? Eu e GOG somos comuns nessa escolha, HIP HOP importa muito para gente e a construção que se deixa na caminhada é o que mais faz sentido. Não que dinheiro e números não sejam bem vindos, mas tem que ser mais que isso, tem que vir com a dignidade de não abandonar as ideias que temos fé!”, pontua o rapper Thiago Elniño.
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Como surgiu a ideia de SANKOFA?
A ideia do EP surgiu através das conversas que eu e GOG tínhamos frequentemente por telefone e o quanto que o tempo era uma questão que atravessava diversos setores e momentos das nossas vidas.
SANKOFA é o primeiro volume de uma série de trabalhos. Quando você percebeu que seria necessário outros projetos? Aliás, existirá uma conclusão?
Eu me sinto um parada música, mais que necessariamente um cara do rap, sendo assim os diálogos para mim partem desse lugar, eu não me importo tanto em atender um público específico de um gênero específico, eu me importo em falar com gente preta. Daí a ideia de retornar com frequência a experiências como esta de propor encontros com pessoas que tenham um elemento que torne o encontro desafiador, seja por questões geracionais, de linguagens, de culturas, mas no geral essa é uma ideia que ainda está amadurecendo e tomando formas que são influenciadas por esta primeira experiência junto ao GOG.
É um trabalho conjunto. Como foi todo o processo e como vocês se sentem agora que o EP foi lançado?
Foi um processo muito leve, acho que a coisa mais bonita nele foi a confiança que o GOG teve de se deixar produzir em um registro muito livre do que é nossa amizade e do que trocamos, com a certeza de que eu não seria violento com as individualidades dele, da forma que em alguns momentos nossos olhares sobre diferentes aspectos, ideológicos e sonoros se aproximam ou se distanciam. Então eu ia mandando as ideias, ele recebia, eu provocava ou não, pontuava impressões e daí eu finalizava as faixas aqui com o time que já trabalho a longa data, a ideia também tinha muito disso, de ouvir o GOG em um ambiente diferente do que musicalmente ele pratica com mais frequência, e parece que deu certo, pois as pessoas estando gostando e a gente tá muito feliz com isso.
O EP fala sobre memória, tempo, caminhos e trocas, fazendo com que o título do álbum se reverbere pelas canções. Os temas surgiram de forma orgânica? Após o lançamento, o significado destes assuntos foram transformados?
Foi muito natural, por que a gente conversava sobre coisas que já eram sankofa, sobre o tempo de uma forma não conceitual, então na hora de conceituar o trabalho, percebi que a gente tava falando sobre algo que já existia, que já tava posto, então em vez de dar um novo nome a roda, nos chamamos de roda mesmo. Fomos em uma simbologia que é até frequente, de certa forma óbvia para quem discute as questões relativas às culturas ancestrais dos povos pretos, mas dentro do público que imaginou que poderia chegar com essa trabalho, nem todo mundo está acostumado com a termologia e com os significados de Sankofa, então jogamos pro mundo e tá sendo massa receber outros olhares e entendimentos de algo que por sí só, eu e GOG já entendemos de forma diferentes, sem a pretensão de que sejam as certas, e tem mais gente chegando com seus entendimentos e definições também.
Em “Intro - Sankofa” uma parte chama atenção: “É entender que o passado já foi um futuro”. Na opinião de vocês, por que temos dificuldade de enxergar o passado para imaginar e viver o futuro?
São muitos os passados, tem o de quem viveu, tem o de quem contou, tem o de quem imagina, tem de quem registra, tem vários passados, todos eles atravessados por questões culturais e políticas na forma de trazê-los para o presente. Somado isso aos desafios do agora, eu acho que é natural que às vezes a gente não tenha “tempo” para entender com qualidade qual passado convém confiar que nos sirva de forma saudável, o mundo é o que é, e é o que nano é, e são dificuldades que passam por educação, cultura, economia, e várias outras questões que nos trazem dificuldade para algo que em um primeiro momento parece simples, mas tem muitas camadas.
O que vocês esperam despertar nas pessoas que ouvem SANKOFA?
Eu espero que as pessoas ouçam e encontrem qualquer coisa ali, que possa ser boa para elas, qualquer coisa. Tem muita coisa ruim acontecendo e eu só queria produzir um momento que pudesse trazer coisas boas. Um intervalo na agonia.
Assim como o tempo, SANKOFA evolui: o EP é o primeiro volume de uma série de trabalhos onde Thiago questiona a direção do tempo, em parceria com outros artistas. Juntos, não esquecemos nossas raízes.
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