Elena Ferrante é uma das escritoras mais comentadas nos últimos cinco anos. Entretanto, a escritora misteriosa está no mercado literário desde 1992, quando lançou seu primeiro livro "Um Amor Incômodo".
No Brasil, a autora (ou seria autor? é preciso defini-lá?) chega mais tarde, através da editora Intrínseca. A capa do seu primeiro livro é curiosa: uma mulher em diferentes ângulos. De cara, o leitor se questiona: qual a verdadeira faceta da moça sem rosto? Ela é única ou é dominada por outras pessoas? O amor é realmente um incômodo? São questões psicológicas com uma pitada de curiosidade (afinal, quem nunca julgou um livro pela capa?!).
Talvez os filhos consigam dizer se o amor de mãe incomoda. Ah, Freud também. Mães podem ser sufocantes, transformando suas proles de acordo com as projeções criadas. A felicidade também deve existir para aqueles que vieram de dentro dela - custe o que custar.
Delia, italiana e quadrinista de 45 anos, recebe a notícia de que a mãe foi encontrada morta. O destino de Amalia, sua mãe, é relatado pela escritora de forma bruta e crua: o corpo sem vida encontrado seminua, usando apenas um sutiã luxuoso, fugindo dos padrões da mãe que usava roupas remendadas e era recatada.
Delia volta para sua terra natal, Nápoles, na Itália, com o objetivo de enterrar a mãe e dar um enterro digno ao lado de suas irmãs e famílias. Em um momento, deseja saber o que aconteceu com sua mãe, começando uma investigação por conta própria. É a partir desse ponto que o incômodo surge: Delia precisa analisar toda relação que teve com a mãe, resgatando memórias, mágoas, raiva e vontades.
(...) "Você é um fantasma", eu disse à mulher no espelho. Ela tinha o rosto de uma pessoa por volta dos quarenta anos, fechava primeiro um olho, depois o outro e, em cada um, passa o lápis preto. Era magra, angulosa, com as maçãs do rosto proeminentes, milagrosamente sem rugas. Os cabelos eram curtíssimos para ostentar o número possível o tom corvino que, finalmente, com certo alívio, estava se tornando grisalho, preparando-se para sumir de uma vez por todas. Passei rímel. (...)"
No meio de sua investigação, Delia reencontra amigos da infância, seu pai violento, o rapaz que era apaixonado pela mãe, a vizinha que nunca era convidada para entrar na casa de Amalia. Procurando respostas para suas perguntas, ela vai aos poucos se confundindo com a mãe, tornando-se aquele incômodo que ela sempre repugnou.
O leitor percebe a relação oscilante que a protagonista tinha com a mãe. Quando as lembranças dominam sua mente (e vida), ela enxerga a mãe com outros olhos e questiona (de novo): sua mãe era uma projeção da avó? Da sociedade machista e da violência da Itália? Em algum momento, a mãe foi verdadeira? Ela amou suas filhas? Verificamos que Ferrante vai além da relação de mãe e filha, ela também retrata o abuso contra as mulheres.
"(...) Eu estava tão decidida a me tornar diferente dela que perdia uma a uma as razões para me parecer com ela."
Em uma das diversas entrevistas que deu, Ferrante diz que escreve sobre o que viu/vê na sociedade. Em menos de 200 páginas, relembramos que o amor incomoda, assim como o que desejamos ser no futuro, por isso, precisamos fazer as pazes com o passado, antes que seja tarde.
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