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Foto do escritorMichele Costa

A vida real de Juliano Costa

Durante quinze anos, Antônio Abujamra apresentou o programa Provocações na TV Cultura. Em cada episódio, questionava o entrevistado sobre o significado da vida. Muitas respostas foram dadas, sem nenhuma conclusão. Por exemplo, quando perguntado, Wagner Moura diz que nunca teremos uma resolução sobre o tema. Em "Ensaios", Montaigne reflete sobre a existência e a morte; assim como o programa de TV, o filósofo não decifrou o que é a vida, mas diz que "a melhor coisa do mundo é saber como pertencer a si mesmo." 


Quando pergunto o que é a vida para Juliano Costa, ele me confessa que já respondeu essa pergunta um milhão de vezes em sua cabeça e ri para, em seguida, responder: "Não faço a menor ideia." Mesmo que não tenha uma conclusão, o tema está presente em Vida Real, seu novo disco. O álbum é uma crônica da realidade, misturada com a idealização que fazemos, além de um retrato do dia seguinte da festa, de ressaca e dúvidas existenciais. As doze faixas foram feitas de momentos sinceros e sugestivas de uma experiência terna de vida, das que dão contorno aos sentidos de estar por aqui.


Juliano encontrou um caminho percorrer após procurar em Barco Futuro (2021). Em "Glória", décima canção do disco, o músico segue caminhando para encontrar a sua glória, a pulsão de vida que foi retirada durante a pandemia. Uma vez encontrada, foi colocada em Vida Real, trazendo ruídos, imperfeições e excessos, imitando a existência. "Não sei o que é a vida, mas eu só sei que ela é daora pra caralho, vale a pena.", diz.


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Quando você lançou Barco Futuro, você não tinha uma direção específica para onde ir - e o título escolhido diz muito sobre. Hoje, depois de alguns anos, você acha que chegou em algum lugar? 

Boa pergunta. Acho que sim, mas num lugar totalmente inesperado do que tava na minha cabeça antes. Barco Futuro era um disco muito de estreia, de carreira solo, né? Eu tava muito, tipo... As composições estavam guardadas ou sendo trabalhadas há muitos anos. Tipo, tinha coisa ali que tinha cinco anos já que eu tinha feito e que eu ainda não tinha gravado e tal. Então ele foi muito um disco meio de, tipo... [olha para frente por um tempo] Vou fazer as melhores coisas que eu acho que eu compus nos últimos anos, vou juntar aqui e tal, então ele é um disco feito com muita calma, foi feito com uma certa ingenuidade. Eu tava também super animado com a ideia de fazer um disco solo e tal. Só que ao mesmo tempo veio a pandemia, então ele foi terminado na pandemia. Toda aquela animação também já foi quebrada… O jeito que eu lancei foi totalmente confuso…  Tipo, eu lancei, eu lembro que foi só uma sexta-feira. Lancei e fiquei em casa, assim, parado, sabe? Tipo, nossa, que merda. Mas assim, eu tava imaginando uma outra coisa. Eu nunca elaborei muito o título Barco Futuro, era meio que uma esperança. Tinha gente que falava assim: "seu disco tem uma vibe de esperança, meio uma melancolia esperançosa" e eu acho que a esperança foi frustrada. [risos] Muita coisa na minha vida pessoal mudou desde a época que eu lancei o Barco Futuro pra agora… Então, o Barco Futuro acho que é um disco mais de imaginar mundos, e aí o Vida Real veio, tipo, você toma umas rasteiras, assim, sabe? E aí fica mais pé no chão, assim. 

É curioso porque tem alguns elementos de Barco Futuro que também dialogam com o Vida Real, né? Você precisou revisitá-lo ou ele ainda estava dentro de você? 

Tem, assim, o que rolou foi... [breve pausa] Eu amo o disco Barco Futuro, mas como eu lancei ele num contexto muito do tipo… Eu meio que quase não divulguei… Lancei, tipo, fiquei meio com... Fiquei meio travado também, porque eu não gostava também de usar - ainda não gosto, né - mas eu resistia a usar o Instagram e todas essas outras coisas… Então, eu lancei, aí eu compartilhei, não sei o quê e tal… E aí eu fiquei meio que... Deu um bode de ficar divulgando… Foi um erro, foi um vacilo meu - mas foi uma experiência. Então, eu fiquei um tempo meio que afastado desse disco. Fiquei, tipo, um tempo sem ouvir de novo. Ficou uma coisa que, tipo... Ah, tá lá, o disco que eu fiz ali. Gosto muito dele, mas ficou ali, sabe? E aí, quando eu quis gravar agora um novo disco, voltar a me dedicar à música, de um jeito principal, eu também voltei a ouvir esse disco também e voltei a divulgar esse disco, que também é uma outra coisa: quando você fica trabalhando para divulgar umas coisas, você tem que meio que lembrar também [risos] o que você está divulgando, sabe? Então, ele estava fresco na minha cabeça quando eu fui fazer o Vida Real, sabe? Agora, pode ter outras relações que são inconscientes, assim, né? Mas ele estava fresco na cabeça, pelo menos. 


Uma das relações que eu identifiquei, aí você me disse se existe ou não, foi com a canção "Paz", onde você diz que fez as pazes com o mundo. Após a pandemia, você está pronto para viver a vida real?

Legal, eu não tinha pensado nisso, mas é bem legal. Cara, faz sentido, de certa forma, eu fiz as pazes com o mundo, apesar de eu ter ficado bem de mal com ele várias vezes. [risos] 

Quem nunca? 

É, exato. Tem essa continuação mesmo. Agora eu estou meio que... não é aceitando, mas é um pouco mais... Estou menos ingênuo, acho, com as coisas. Já não fico fazendo grandes planos para o futuro, de uma forma... Mesmo de carreira artística e tal, eu tô... É um processo que eu tô sacando que, assim, eu faço as minhas músicas porque eu gosto de fazê-las e são mais importantes, sabe? Tipo, eu faço o máximo possível para mostrar essas composições porque eu gosto delas, eu tenho orgulho delas, é um trabalho que eu faço com carinho e com o qual eu me identifico. Mas eu não tenho mais uma coisa do tipo... aquele sonho, assim, do tipo... de até onde a música pode me levar, coisa do tipo, sabe? É mais, tipo, aqui e agora, assim. É a vida real mesmo, sabe? Eu gosto de fazer isso e olha o que eu fiz, sabe? Isso é o que mais importa, sabe? Até de maneira profissional mesmo, sabe? Eu tento me organizar o máximo possível pra fazer com que isso seja a minha atividade principal, mas... A vida é muito grande, tem muitas coisas que acontecem, a gente tem mil coisas para fazer o tempo inteiro que também são importantes. Então é uma coisa do tipo... Ah, eu preciso me organizar profissionalmente para que eu possa continuar compondo sempre e gravando, não necessariamente que seja essa minha atividade profissionalmente principal, mas que eu possa fazer isso sempre, sabe? 


Eu não sei se você passou por essa fase, mas muitas pessoas passaram, eu inclusive, de que quando você é criança, você idealiza uma vida para você. E aí, conforme você vai crescendo, você percebe que essa vida que você idealizou talvez esteja muito longe. Queria saber se você passou por essa fase e se sim, como tá sendo viver a vida real e se a sua vida é a vida que você criou nesse segundo álbum. 

Ah, eu passei por essa fase e acho que ela durou tempo demais. A Millena Rosado, que faz os clipes e é uma amigona minha, que é uma parceria total, que faz as fotos sempre, divulgação e tal. Ela fez um fotolivro que chama Os Meus Sonhos Estão Ficando Velhos e Não Estou Pronta Para Dizer Adeus. É muito foda. E eu ainda me sinto aqui também, sabe? Mas acho que faz parte, é uma negociação o tempo inteiro também, sabe? É gostoso ficar idealizando coisas. Então, claro que o tempo vai passando, a gente vai tendo mil outras responsabilidades, mas tem uma partezinha que eu ainda gosto de fechar o olho e ficar idealizando mil situações completamente absurdas que são improváveis, mas que não precisam acontecer, sabe? Então tudo bem, é gostoso imaginar. O que é problemático mesmo, que aí eu acho que é importante ficar ligado, é botar realmente uma expectativa num lugar absurdo. Porque aí tem a frustração na certa e em vez de curtir o passo a passo, os tijolinhos de cada dia que você está fazendo, você não vai ficar nunca feliz, porque a sua expectativa está inalcançável. Então eu já tenho tentativas suficientes para saber que vamos com calma. [risos] Mas ao mesmo tempo eu guardo sempre uma hora dia para dar uma sonhada, que isso tudo bem, sabe? 

Você consegue sonhar ainda? 

Consigo, eu faço discurso imaginário para o Oscar toda noite. Tomo banho fazendo discurso, sabe? Mas é nesse lugar da fantasia que é gostoso de brincar mesmo, sabe? É tipo criança brincando de bonequinho, sabe? Tipo nesse lugar. Hoje em dia o meu sonho mesmo é realmente isso: poder ter condições em todos os aspectos financeiros, emocionais, psicológicos, para poder gravar e compor para o resto da vida, sabe? É isso. Isso para mim é um sonho, sabe? Se eu puder fazer isso, eu estou muito feliz. 

E você conseguia sonhar durante a pandemia, durante aqueles anos de isolamento? 

Acho que até mais na real, porque como eu estava tendo pouca experiência real, eu ficava com muitas situações hipotéticas na cabeça, sabe? Idealizando mil coisas. Isso até acho que foi uma coisa que deu uma cagada na nossa cabeça, porque depois, quando as coisas voltaram, a gente passou muito tempo sem elas, então... Elas são diferentes do que a gente imagina, né? Ou mesmo do que a gente lembra e tal, né? Então, mesmo a questão de fazer show. Show era uma coisa que eu estava... Eu não tinha feito show, né? Eu lancei o disco durante a pandemia e não tinha feito show, eu ficava imaginando como seria e tal. Depois, quando as coisas voltaram a abrir, quando foi rolando o show e tal, eu comecei a me sabotar para não fazer show, sabe? Inventar desculpas. 

Por que? 

Porque deu medo, deu cagaço. Falei "não sei fazer", comecei a ficar com pânico de palco… Cheguei a desmarcar show, inventando mais desculpas, sabe? Até que depois eu fiz, no ano passado, o show e aí foi beleza, sabe? Estamos de volta! Não é mais um bicho na minha cabeça, sabe? Foi feito um show e agora a gente só trabalha de uma maneira objetiva para continuar o que foi bom, melhorar o que foi ruim. Sai do campo das ideias, assim, né?


"Eu não quero que essa festa acabe nunca, mesmo que seja uma vida monótona, sem graça e trabalhosa, com problemas e tudo mais."

Estamos falando bastante de ideias, imaginação e idealização. Como nasceu a história do Vida Real? Foi a partir também das suas vivências, das necessidades, da loucura de se tornar um adulto? 

Cara, o Vida Real foi assim, eu... [breve silêncio] A possibilidade de gravar um segundo disco estava meio longe da minha cabeça, né? Estava, tipo, assim... Tinha uma época que eu não estava nem pegando violão para compor, para tocar, nada assim, tava meio distante. [breve silêncio, olha pra frente] Bom, teve um monte de mudança na minha vida. Eu me separei, eu saí do trabalho que eu tinha e tal, e aí eu comecei a fazer um monte de música e... Nem que eu achava... Tipo assim, geralmente a ideia para mim de um disco é de pegar as músicas que eu acho as melhores e fazer, tentar dar uma unidade para elas, uma coisa nesse sentido. Só que eu comecei a fazer um monte de música e fiquei com vontade de gravar elas o quanto antes, registrar aquele momento, sabe? Tipo, eu sabia que era um momento muito específico da minha vida e que estava rolando essa coisa de... Esse primeiro ano, assim, com o fim da pandemia, de ter meio que uma euforia das pessoas se vendo de novo e eu com uma vida muito diferente da vida que eu tinha antes eram coisas muito imediatas que eu queria registrar, sabe? Então eu peguei e comecei... Eu não sou um cara que sabe tocar todos os instrumentos e tal, eu sei tocar bateria e sei compor, o resto é muito básico, né, só que eu resolvi eu mesmo gravar sozinho porque era uma coisa de "preciso registrar isso agora!", sabe? Porque eu tenho muita aflição de, tipo... Eu faço uma música aqui, acho ela legal, aí ela vai lá pra pilha de músicas possíveis, sabe? Aí vai passar um tempo, aí eu vou gravar um disco, aí até fazer esse disco, vou selecionar, não sei o quê… Sei lá, quando eu vejo, passaram três anos desde que eu escrevi até que eu lance aquela música, sabe? E aí eu tava com a aflição de que... Eu queria que fosse imediato, sabe? Então eu comecei já a gravar do jeito que dava mesmo com os instrumentos que eu tenho aqui em casa, tudo meio tosqueira, sabe? Mas foi meio que essa vontade de registrar o que estava acontecendo ali, sabe? Tipo, essas composições são muito frescas e pela primeira vez não foram muito, tipo... Exercícios de composição, de imaginar situações ou de contar uma história e tal, foi muito autobiográfico, é uma coisa mais rara pra mim. Foi realmente, tipo, o que está acontecendo agora que eu estou pensando, o que está acontecendo com essa turma aqui dos meus amigos, o que está rolando mesmo, e aí eu achei que valia a pena juntar logo isso num disco, como fosse. Não importa se fosse ficar um disco de demos, um disco, tipo caseirão mesmo, que depois eu fosse trabalhar com calma. Isso não estava me importando, sabe? Eu só queria registrar logo, pra depois, passando o tempo, olhar e falar: "ah, foi isso que eu fiz", sabe? Eu queria esse frescor do negócio, sabe? 

E como foi esse processo de você colocar pra fora tudo que você estava sentindo? 

Cara, foi bom, porque pude fazer umas coisas que eu pude experimentar qualquer coisa, assim, porque... Se ficasse ruim, o único culpado, o único prejudicado era eu. Então, eu me perdoaria se ficasse ruim. Então, eu fiquei lá, tipo assim, eu não sei direito os acordes, então, eu ficava olhando na internet e gravava um acorde por vez, sabe? Tipo, dava rec e pum, um acorde aí pausava, rec e outro acorde, fazendo umas colagens assim, porque se fosse tentar gravar ia ficar tudo errado, sabe? Então, tipo, sei lá... Vou fazer do jeito que dá, como eu puder. Como era uma coisa que estava realmente sem nenhuma preocupação, eu estava me importando muito com o processo, eu não estava tão preocupado com o resultado. Claro que depois eu fui ficando preocupado com o resultado, mas na hora não. Tipo, eu disse a mim mesmo: "o disco é meu mesmo" e se eu pegar? Teve umas músicas que eu gravei com esse [levanta e pega um fone com microfone embutido] microfoninho super tosco aqui, tipo de call center, de gamer, mas bem tosco, sabe? Tipo: "ah, vamos ver como é que fica", sabe? Tipo, eu gravei com um microfone só, eu usava o celular também… Do piano também, eu até botei o microfone pra cá pra cortar, mas... botei o celular bem na frente, achei que ficou mais legal até do celular. Tem música que era pra ser uma demo, eu... botei no colo, na sala, e no fim, resolvi enfiar ali no meio, dá pra ouvir, tipo, o barulho das portas fechando, dá pra ouvir chuva no fundo, é uma coisa que eu fui experimentando, sabe?  Depois eu falei: "não, peraí, tá muito bagunça demais isso aqui, legal que eu experimentei, mas tem que cortar, deixar minimamente apresentável", porque se fosse assim, eu só guardava em casa uma experimentação maluca, né? Aí depois eu me preocupei em dar uma cara apresentável pro negócio, mas ainda mantendo esse frescor, assim, como se tivesse alguém ali vendo eu fazer, sabe? Eu deixei alguns ruídos, eu deixei algumas coisas sobrando, porque eu achei que valia a pena registrar, tipo o microfone na sala que registrou o que estava acontecendo naquele momento, sabe? Aí eu chamei o Renato Medeiros que mixou e masterizou - ele que produziu o Baco Futuro, ele é o cara que eu mais admiro nesse lugar de compositor, desse cara que faz tudo, sabe? Ele compõe, toca e grava e produz tudo, ele é a minha referência. E aí eu pedi a ajuda dele, falei assim: "cara, me ajuda a deixar isso aqui mais bonitinho, porque tá muito bagunça." Aí ele mixou e masterizou, participou, gravou alguns instrumentos e algumas músicas e tal, ele me ajudou a deixar mais apresentado. 


vida real juliano costa
(Créditos: Millena Rosado)

Como tá sendo expor a sua vida para outras pessoas? Vida Real é um disco muito autobiográfico. Não bate um desespero de estar se expondo demais? 

Cara, teve uma música que... Algumas músicas... Metade das músicas, por mais que sejam pessoais, são meio generalistas, no sentido de sentimentos coletivos, uma coisa mais... Totalmente verdadeira, mas não especifica, que só caberia a mim, né? Então, essas daí, que foram as que eu fui lançando, algumas delas foram como single, que saíram antes e tal, elas não me deram essa sensação, porque, por mais que fossem pessoais, elas estavam ali numa sensação coletiva, um sentimento de grupo ali, que não me senti exposto, né? Aí teve uma que eu lancei antes, que chama "Tudo Bem" que... Eu nem tava pensando mais nisso, assim, porque eu tava… No processo de lançar, eu tava mais pensando depois nessa parte mais mecânica da coisa, tipo... Tava tratando aquela música mais... já como um produto, eu tava esquecendo o que tinha lá dentro, sabe? Aí depois que eu lancei, as pessoas começaram a falar: "nossa, foi muito corajoso lançar essa música, parece tão pessoal" e aí que deu um pânico, eu falei: "caralho, é verdade!" [risos] Eu meio que tinha esquecido no processo, sabe? Aí deu um cagaço, mas depois relaxei. Fiquei mais calmo e consigo lidar de uma maneira mais… Por mais que seja vida real, eu consigo fazer um distanciamento para eu não me sentir tão exposto, sabe? É uma música, sabe? Tipo, tem um envelope que permite isso. [solta uma leve risada] Mas sim, quando eu me toquei, deu um medo, mas agora tá estabilizado. [risos] 

Ao ouvir Vida Real, o ouvinte consegue compreender quem é Juliano?

Eu acho que sim, eu acho que sim. Lógico que sempre tem uma pitadinha de ficção nas coisas, né, afinal de contas, não é um documentário, é uma obra de ficção, mas com personagens que tem muito a ver com o que eu sou hoje em dia. Acho que dá pra sacar uma postura da vida no meio dessas histórias que é muito próxima da minha postura; o meu olhar tá ali, sabe? São historinhas, é um livro, é uma ficção, cada capítulo tem personagens e tal, mas eu tô ali - eu realmente tô ali! Eu escolhi estar mais ali do que antes, eu estou mais presente nesse disco. 



Barco Futuro tem a música "Dia de Festa" em que você canta: "eu penso num dia de festa e penso tudo que pode rolar" e no Vida Real, você traz o tema festa novamente. Por que é tão difícil aceitar o término de uma festa e ter que voltar para a realidade? 

Nossa, boa pergunta. A gente precisa um pouco disso. Esse tema festa é muito presente hoje em dia pra mim, não que eu esteja numa fase muito festeira, mas eu tô valorizando os encontros ainda. Essa música "Dia de Festa" é uma parceira com o Renato, quando ele fez essa parte da letra. Na época, ele tava morando em Minas e fazia tempo que a gente não saia para uma noitada, para o bar e tal, então, ele também fez no contexto de imaginar a gente de novo saindo pra noite, para uma festa, que fosse um bar, porque é sempre uma festa esse tipo de encontro. E aí, agora, nesses dois últimos anos, principalmente, a festa acabou virando também um negócio muito… [silêncio] Tem uma parte da fuga, mas acho que a fuga fica um pouco deprê [risos], mas não é só uma fuga, é um achado, um lugar. Esse conceito de festa eu acho muito daora, porque é tipo adultos se encontrando pra brincar que nem íamos em casas de amigos, sem pensar no amanhã. Junta, em vez de um monte de criança para ir na casa do Pedrinho, vai um monte de adulto na casa de alguém pra também brincar. [risos] É muito chato a quantidade de problemas que a gente tem, né? É muito chato ter que lidar com isso e a gente tem que lidar, então a gente tem que festejar também, porque se não… Pelo amor de Deus. 


Vida Real vai além da vida real, ele também traz o dia seguinte da festa, a ressaca, as crises existenciais, talvez, arrependimentos. Como é pra você esse término de festa no álbum? 

Na parte da produção desse disco, nos instrumentos, na ideal musical mesmo no negócio, como eu tava curtindo muito o processo, teve um aspecto que eu acabei explorando pouco nele que foi o excesso. Acho que tem um pouco disso no imaginário das letras, de que não quer que acabe, de ressaca… Tem uma vontade demais. Musicalmente, eu quis colocar isso em alguns pontos, sabe? Por exemplo, tem em algumas músicas - principalmente em duas - que a parte instrumental é longa, longa, longa, longa, longa porque eu tava querendo passar essa coisa do excesso, porque se fosse editar isso, fazer uma música do jeito mais [há um ruído], vamos diminuir os elementos, colocar ideias pops, pop não como uma coisa ruim, mas como uma coisa boa, no sentido de objetiva, vamos deixá-la mais direta, teria cortado-a pela metade. Eu tava querendo deixar um pouco de excesso nesse disco também, menos edição, sabe? A vida apresentada geralmente é mais… O que a gente mostra é mais editável, né? A gente edita o que a gente mostra, escolha o que mostrar e o que não mostrar. Nesse disco, até por estar com esse termo vida real, já ia ser assim. Quando eu comecei esse seria o nome do disco, sabia que essa era a abordagem e esse excesso… Às vezes, a gente fala mais do que devia, às vezes bebe mais do que devia, faz uma coisa aqui e ali… Eu quis deixar esse clima, artisticamente falando, no disco.  

Esse excesso tem alguma ligação com o tempo em que tivemos que ficar trancado na pandemia? 

Pode ser, pra mim, faz sentido. É meio “eu quero tudo agora.” [faz um barulho com a boca e ri] 


Na música "Coragem", do Barco Futuro, você aborda o crescimento de duas crianças que se tornaram adultos diferentes do que eram fazendo com que, em algum momento, elas busquem respostas para entender o que aconteceu. Você acha que é necessário coragem para encarar a vida? 

Acho que sim. Quando eu era criança, minha mãe me acordava, eu sempre atrasava para escola, ela batia na porta do quarto e falava "vamo, coragem!", é uma coisa muito simples, mas no final das contas é fundamental. [risos] Até hoje, quando eu acordo eu falo "puta merda, mais um dia que eu tô fodido" e mentalmente vem um "coragem" e não é brincadeira, tem dias que é difícil sair da cama e [fazer isso] é realmente uma vitória. Tem que ter coragem para várias coisas porque… Eu acho que eu sou muito medroso, por isso, esse tema coragem tá sempre presente no meu imaginário, mas tem que encarar - isso para todos os aspectos, sabe? Mesmo no sentido de trabalho ou uma reunião difícil… Desistir é muito mais fácil e, à princípio, é muito mais prazeroso, alívio imediato… Às vezes é necessário ter coragem para desistir também. Coragem é uma mistura do tipo assim: vamos viver a vida do melhor jeito possível. Não é pra fugir dos medos, mas se tiver que desistir também, tem que ser coragem. Tô parecendo meio dramático, mas tem que fazer. 


Em "Oração à Música" você literalmente faz uma oração, agradecendo por ela estar presente em sua vida - e mesmo com todas as dificuldades, você segue fiel à ela. Por que continuar quando existem diversos obstáculos? Ela serve com um escapismo da realidade? 

Cara, acho que sim. O Lourenço Mutarelli disse que a música é uma religião pra ele e aí eu fiquei com isso na cabeça. Tem aquela música "Oração ao Tempo" do Caetano Veloso, dá até raiva de como é boa, e aí eu falei que ia fazer a minha oração à música, resolvi juntar essas ideias, esses conceitos. Eu acho que tem uma coisa de escape, mas tem também uma coisa de… A música, até por ser invisível e por estar por aí, tem uma capacidade de entrar na nossa vida real de uma maneira, como água [utiliza as mãos para exemplificar], fica difícil de barrar, difícil você passar uns dias sem música, a música chega até você. Então, eu acho que tem uma coisa do escape, mas também tem uma coisa de trazer pra vida, tipo, quando você tá com algum problema - na prática eu acho que é a mesma coisa, mas conceitualmente pode mudar -, em vez de você sair desse problema e fugir para uma música, você traz alguma coisa boa da música para lidar com os seus problemas, sabe? 

Como a música tem te ajudado nesses anos?

Ah, totalmente em tudo. É o que eu mais amo! É realmente o que eu amo fazer - e fazer em todos os sentidos, sabe? Fazer profissionalmente, como hobby ou ouvinte... Ouvir música é bizarro, é uma droga que não tem efeitos colaterais, não te dá ressaca, [risos] não altera o seu comportamento... Quer dizer, altera, mas só de maneiras interessantes, não te traz nada de ruim, é perfeito.


Quando você concluiu o álbum, você encontrou uma saída para lidar com a vida real?

Eu acho que lidar com os problemas é a melhor solução. Esses dias eu tava falando com o meu pai e ele falou de uma música do Gil [pesquisa no computador a música], "Retiros Espirituais" [recita-o]: "Nos meus retiros espirituais / Descubro certas coisas tão banais / Como ter problemas, ser o mesmo que não / Resolver tê-los é ter, resolver ignorá-los é ter / Você há de achar gozado ter que resolver de ambos os lados / De minha equação / Que gente maluca tem que resolver" é muito massa! É muito foda! O que o meu pai tava me falando é bem isso: "cara, resolvendo-os ou não, você tem eles", sabe?


Em "América do Sul" você diz que encontrou o seu lugar e quer caminhar. Já em "Glória" você diz que caminha sem destino e que pretende encontrar sua glória. Te pergunto: que glória é essa?

Eu acho que é meio uma glória da contemplação. [breve silêncio] Uma coisa que tá muito mais presente nas religiões orientais, uma coisa do tipo "achar esse poder da contemplação", de olhar ao redor e encontrar uma serenidade de reconhecer as coisas boas, sabe? Isso pra mim é a glória. Não é que eu tenho isso, muitas vezes eu não tenho, eu busco.


Você começou em um barco sem direção, agora, está na América do Sul caminhando e correndo. Para onde você quer ir?

[silêncio, vira o rosto para pensar] Eu quero ficar... Eu quero chegar em uma mistura entre empolgação e serenidade. [risos] É o que eu tô procurando, eu quero ficar em um lugar que eu fique com paz de espírito em relação aonde eu tô, mas empolgado o suficiente pra me mexer também, sabe? Deve ser bem difícil chegar nesse lugar...

Existe esse lugar, ainda mais em São Paulo?

[risos] Não sei, não sei, acho que deve existir em algum lugar. Dá pra achar na cabeça.


Assim como uma festa, a conversa acaba. Lembro, agora, as palavras de Frédéric Gros em Caminhar, Uma Filosofia (Ubu Editora, 2023): "Caminhar é uma questão não apenas de verdade, mas também de realidade. Caminhar é fazer a experiência do real. Não a realidade como pura exterioridade física nem como o que conta como tema, mas a realidade como o que persiste: princípio de solidez, de resistência. Caminhar é experimentá-lo a cada passo: a terra resiste. A cada passo, todo o peso do meu corpo encontra apoio e ricocheteia, toma impulso." Portanto, enquanto existir um corpo cheio de sentimentos vale a pena continuar. Seguimos Juliano Costa nessa vida real.




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